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quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Reflexões sobre a História de Jacob Burckhardt: Algumas considerações

Reflexões sobre a História de Jacob Burckhardt: Algumas considerações

Luciano Bezerra Agra Filho
lucianoagra@isbt.com.br
Licenciado em História-UEPB

RESUMO: Neste artigo, pretende expor, de maneira sucinta, a interpretação do historiador suíço Jacob Burckhardt, em reflexões sobre a História. Cabe ressaltar que ele foi um dos mais importantes historiadores do século XIX. Além disso, Jacob Burckhardt incorporou novos usos e costumes, de absolvendo personagem, culturas e formas de sociabilidade diversas. É preciso destacar ainda que as “três Potências” (Religião, Estado e Cultura) nomeadas por ele como basilares para a compreensão didática do processo histórico. Do que foi exposto até aqui se pode afirmar que ele demonstrou a validade dos seus estudos das crises na História, que representam momentos de verdadeiras revoluções da História mundial.
Palavras Chave: Jacob Burckhardt – historiografia - História.

ABSTRACT: In this article, it intends to display, in way sucinta, the interpretation it Swiss historian Jacob Burckhardt, in reflections on History. It fits to stand out that it was one of the most important historians of century XIX. Moreover, Jacob Burckhardt incorporated new uses and customs, of acquitting personage, cultures and diverse forms of sociability. She is necessary to detach despite the “three Powers” (Religion, State and Culture) nominated by it as fundamental for the didactic understanding of the historical process. Of what it was displayed until here if can affirm that it demonstrated the validity of its studies of the crises in History, that represent moments of true revolutions of world-wide History.
Words Key: Jacob Burckhardt – Historiography - History.

INTRODUÇÃO

                  Em, 1784, o filósofo alemão Emanuel Kant publica Idéias de uma história universal do ponto de vista cosmopolita, livro em que contempla uma interpretação da História. Este pequeno livro, composto de nove proposições, em sua oitava, afirma que a história humana é “a realização de um oculto da natureza”(KANT, 1984, apud GARDNER, 1995, p. 37). De forma bastante simplificada o que ele nos diz é que a interferência exercida pela natureza é o que permite ao ser humano o seu aperfeiçoamento e o progresso da história.
                  Seguindo a esteira de Kant, Hegel busca dar sentido à existência humana e à história universal, utilizando para isto o argumento de um motor externo e independente das ações humanas. A Providência hegeliana é a causa primeira dos acontecimentos históricos e seu fim último; para ele, a Providência Divina age de tal forma que “ a razão governa o mundo e, por conseqüência a história universal é um processo racional”(HEGEL, 1969, p. 39). Portanto, para Hegel todo o processo ocorrido na história universal é produto da ação de uma força superior, externa ao homem e impossível de ser compreendida completamente por qualquer ser humano. O homem, por conseguinte, é um instrumento dessa inteligência na realização de sua vontade.
                  Enquanto Hegel via no indivíduo um meio instrumental da Providência para a realização da razão na história universal, Jacob Burckhardt via no mesmo ser, toda a sua capacidade de, mesmo que inconscientemente, concentrar todo um período de crise precedente e presente, expressando-o através de sua arte. Nesse caso, não é possível a presença da ação do sobrenatural, posto que, ao contrário do que advogava Hegel, para o historiador suíço não há progresso e equilíbrio na história e sim uma continuidade sempre suscetível aos desmandos dos períodos de crise que atravessa a humanidade. Para clarificar esta afirmação, reproduzimos a seguir um momento de cada um dos dois pensadores em que colocam sua visão da história. Hegel ao mesmo tempo em que se encanta com a figura magnânima do Imperador Napoleão, reconhece nele um homem de exceção, mas mesmo assim, instrumentalizado pelo Espírito Cósmico. Por outro lado, Burckhardt vê em figuras do Renascimento como Pico de Mirandola e Rafael, toda a genialidade de que o homem é capaz, por si mesmo, em virtude de assimilação da cultura precedente e da melhor maneira de expressá-la.

“Vi o imperador – esta alma do mundo – cavalgar pela cidade, em visita de reconhecimento: suscita verdadeiramente, um sentimento maravilhoso a visão de tal indivíduo, que abstraído em seu pensamento, montado a cavalo, abraça o mundo e o domina”(HEGEL, [s.d.],apud ARANTES, 1991, p.ix)

“As fontes da abundância criadora dos gênios nada mais são do que a grandiosa energia sobre-humana neles, ativa, que após cada progresso obtido, documenta o poderio e a vontade expressiva de seu espírito inquieto e poliédrico”( BURCKHARDT, 1961, p. 233)

                   Um honra o homem por sua capacidade totalmente advinda do Espírito e compartilhada por ele, mas que não é mérito dele; o outro, honra o homem por toda a sua grandeza, grandeza que, entretanto, é possível apenas a um reduzido número de mentes capazes. A ação praticada por Napoleão é única, incomparável, entretanto, se isso o torna um ser superior aos demais não é por mérito seu e sim, pela ação da razão, da Providência na história. Bem avesso ao pensamento burckhardtiano que enxergava no humanismo renascentista um dos grandes momentos do desenvolvimento do ser humano, e assim cria que seres humanos superiores à maioria eram responsáveis pelo reconhecimento de períodos diferenciados na história.
                   Essa breve alusão a Hegel em oposição a Burckhardt que acima apresentamos, foi feita com a intenção de demonstrar que o historiador suíço não enxergava na história uma razão que a conduzisse de um início absolutamente conhecido até um fim determinado; bem como, de acordo com ele mesmo proferiu, é impossível associar filosofia e história, ou seja, de introduzir a razão na história de forma que possa haver uma filosofia da história, pois esta “constitui um contraditório in adjecto, pois a História, ou seja: a coordenação dos elementos, é antítese da Filosofia e esta, isto é: a subordinação, o critério subordinador, é o oposto da História”(BURCKHARDT, 1961, p. 10).
                   Em seu livro Reflexões sobre a História Jacob Burckhardt aponta a existência de três Potências que inter-relacionadas viabilizam a compreensão de uma determinada época da História: Estado, Religião e Cultura. Ao nomeá-las faz logo a advertência de esta ser uma divisão arbitrária, mas sem dúvida necessária para proceder ao estudo de um período histórico. De uma maneira mais precisa, as mudanças ocorridas na história são motivadas pelas influências que cada uma destas potências pode desenvolver sobre as demais. Estas influências não irão se dar mútua e reciprocamente, ou seja, quando o Estado, por exemplo, incidir sobre a Religião ou a Cultura, tal fato se dará no momento em que estas estiverem frágeis o suficiente para aceitar o seu jugo; aquele, por outro lado, estará no auge de sua representatividade, da expressão máxima do seu poder, não podendo ser afetado pelos fatores que ora encontram-se sublimados por sua força. Entretanto, as potências, que no momento encontram-se inferiorizadas, podem tomar proveito dos espaços marginalizados e não ocupados totalmente pela potência que impera nomentaneamente. Dada a necessidade de identificar qual das potências está sobrepujando as demais, a investigação empregada por Burckhardt é implacável tão somente a períodos em que o fenômeno histórico seja registrado claramente, como proferiu em seus cursos na Universidade de Basiléia:

“... fator condicionador e fator condicionado trocam de posição tão rápida e imperceptivelmente e(...) o elemento essencialmente predominante muitas vezes mal pode ser reconhecido como tal, principalmente em épocas bastante remotas”(BURCKHARDT, 1961, p.87).


                  É importante salientar que as análises mais detalhadas realizadas pelo historiador suíço, em suas obras, restringiram-se apenas ao continente europeu, principalmente aos momentos e povos que para ele foram as maiores representações das realizações culturais da humanidade. Além do que, conforme na passagem anteriormente citada, épocas das quais não se possuem informações muito precisas não permitam tal trabalho. As obras de Jacob Burckhardt a que nos referimos, em que tratou de períodos da história são: A época de Constantino, o Grande; A Cultura Grega e A Cultura do Renascimento na Itália. O fato de seus estudos estarem direcionados para o ocidente europeu, não invadidos os seus métodos. Afinal, como proferiu o próprio Burckhardt em suas palestras na Universidade de Basiléia que, postumamente, foram compiladas no livro Reflexões sobre a História, que encerra sua teoria da história, não era o seu “propósito estudar a História em si, mas sim um fenômeno histórico”(BURCKHARDT, 1961,p.24). Esse estudo permitiria além do conhecimento do fato específico, a informação concernente à evolução espiritual do ser humano.
                   Em face do que foi apresentado nessa introdução, pretendemos mostrar, mesmo que sucintamente, a interpretação da história da maneira como era descrita por Burckhardt. Para isso, exporemos sua interpretação das três potências que compõem a história da humanidade e, em seguida, apresentaremos os efeitos causados pelas crises na História. Para tal realização,. Dividiremos o artigo em duas partes: o primeiro intitulado Estado, Religião e Cultura: As três Potências e a História, composto de três subcapítulos; e o segundo, As Crises na História. Inteiramos, ainda, que embora façamos referências a outras obras de Jacob Burckhardt, pautamo-nos em uma obra específica: Reflexões sobre a história.

1. ESTADO, RELIGIÃO E CULTURA: AS TRÊS POTÊNCIAS E A HISTÓRIA

                  Burckhardt tinha consciência da arbitrariedade que cometia ao dividir a história entre três grandes grupos de realizações humanas: Estado, Religião e Cultura. Mas é preciso dar conhecimento que Reflexões sobre a História nasce não como um livro, e sim como um curso de história para a Universidade de Basiléia. Portanto, a forma arbitrária, porém didática, era indispensável para que o professor suíço ministrasse as suas aulas. Estado e Religião, para ele, estavam num mesmo patamar, eram forças estáveis devido a sua condição de existência, ou seja, são a expressão das necessidades do povo da qual se originam, necessidades políticas e metafísicas. São estáveis para àqueles que reconhecem sua validade, que acreditam que tanto o Estado quanto a Religião representam uma finalidade da sociedade. Por outro lado, a Cultura é por ele classificada como exatamente inversa, ela é o dinâmico, o mutável, produto da continuidade da história, que fabrica o refinamento do espírito humano.
                  Burckhardt acreditava que ao “intelectual” não cabia a tarefa de mudar o mundo, essa não era a sua pretensão; não acreditava tampouco que alguém fosse capaz de fazê-lo intencional. Suas preocupações não estavam centradas na investigação das origens acontecimentos, isso tornaria o seu trabalho igual ao dos filósofos da história; dizia com relação a si e aos historiadores em contraposição aos filósofos da história, que “... não fomos iniciados nos desígnios da sabedoria eterna e portanto não os conhecemos. Esta audaz antecipação de um plano mundial conduz a erros a partir de premissas errôneas” (BURCKHARDT, 1961, p. 11). Esta afirmação explica, também, o fato de considerar desnecessária a busca pelas origens e princípios do Estado, da Religião e da Cultura. O seu desejo, ao ministrar suas aulas, não era o de formar historiadores, assim como era, mas apenas transmitir o estímulo à capacidade que todos possuem de se ilustrar. Embora todos possuam essa capacidade, a mesma pode ser potencializada ou não por determinados fatores que estão presentes principalmente na Cultura e, em escala menor, na Religião e no Estado. Vejamos pois, o que nos diz Burckhardt acerca dessas três potências da história.

1.1 ESTADO

                 A exemplo do que dizia sobre a filosofia, que era algo muito complexo para o seu entendimento, chegando a afirmar que sua “... pobre cabeça nunca foi capaz de refletir, sequer remotamente sobre os fundamentos últimos, as finalidades e ramos desejáveis da ciência histórica...” (BURCKHARDT, 1842, apud GAY, 1990, p. 148); Burckhardt dizia ser impossível, com segurança, conjecturar sobre a origem do Estado. Seria uma tarefa improfícua determinar a origem daquilo que não guardava fontes seguras, nesse sentido, na validação de documentos escritos como fontes imprescindíveis nas escrita da história, é possível assemelhá-lo ao seu mestre, o alemão Ranke, como a diferença de que, ao contrário de seu antigo professor, a verdade não seria sacrificada em nome do estilo (GAY, 1990, p. 146).
                 O documento original, para Burckhardt, é o que “dá-nos o fato... numa forma que já constitui a sua expressão em si” (BURCKHARDT, 1961, p.28). Por outro lado, o documento histórico já possui uma interpretação do acontecido, passando-nos impressões de outrem, prejudicando assim a nossa visão própria da história. Não poderia ser de outro modo, então, que, aliado aos estudos das fontes originais, estivesse o domínio das línguas nas quais foram escritos os documentos objeto de estudo, pois a tradução, tal como um documento de “segunda mão” traz vícios de quem os fabrica. Muito embora, ressalte que na ausência das fontes originais, é possível fazer uso de fontes secundárias e terciárias, cabendo, evidentemente, ao estudioso fazer uso do intelecto para estabelecer uma ligação com a fonte original. Isto posto, passemos a falar sobre o Estado, das maneiras como ele se
impõe no seio de um povo.
                  É preciso, levar em consideração que onde e como principia o Estado, conforme exposto anteriormente, é impossível de se precisar. Mesmo tendo isso claro, Burckhardt faz uma pequena digressão sobre as causas que teriam levado ao surgimento do Estado, abominando, sob qualquer hipótese, a idéia de surgimento através de um contrato social aos moldes do que idealizou Rousseau; ao contrário, a violência determinou e determinará sempre o surgimento do Estado, havendo sempre conquista e escravização dos subjugados. Esse reconhecimento se dá quando se ignora e invalida-se o direito dos mais fracos.
                  Quantos às formas das constituições políticas do Estado, a validação que o mundo Antigo deu à teoria aristotélica do Estado perdeu sua validade com o advento da complexidade dos estados, principalmente na Época Moderna. Mesmo diante desta complexidade, Burckhardt nomeia uma divisão básica do Estado em dois tipos, o grande e
o pequeno com suas atribuições correspondentes:

“A missão do Estado grande é a de realizar grandes feitos históricos, a fim de manter e assegurar a sobrevivência de certas culturas que sucumbiram de outro modo, de fazer avançar certos componentes passivos de sua população, que se atrofiaram se entregues a si mesmos, formando Estados minúsculos e, finalmente, de estruturar e desenvolver grandes energias coletivas. O estado pequeno existe a fim de que haja um pequeno espaço sobre a face da Terra no qual a maior parcela possível de pessoas pertencentes à mesma nacionalidade sejam cidadãos desse Estado no sentido mais pleno do termo”(BURCKHARDT, 1961, p. 39-40).

                   Ao classificar o Estado pequeno dessa maneira, Burckhardt fazia refletir em sua cidade as imagens de dois momentos de ápice da Cultura na História: a polis grega e as cidades-estado do Renascimento Italiano. O Estado pequeno cobre as vantagens do Estado grande exatamente por proporcionar aos seus cidadãos a verdadeira e concreta liberdade. Liberdade esta que Burckhardt acreditava gozar em plenitude.
                   Independente da forma que se origine ou da forma como se configure, pequeno ou grande, o Estado, em sua estrutura interna, constitui-se da ampliação de egoísmos individuais estabelecidos ao nível da esfera pública. Esses egoísmos mascaram o seu interesse próprio, transformando-o aos olhos de todos em interesse coletivo; por este motivo, esses egoísmos buscam compensação “... permanece no próprio Estado, a ponto de fundir o seu destino com o da coletividade por ele representada”(BURCKHARDT, 1961, p.43). É exatamente essa ação de egoísmos individuais transformando-se em coletivo que transforma a violência do Estado em energia.
                   O Estado, desse modo, surge da necessidade de um povo, na tentativa de legitimá-lo criando para isso normas jurídicas e direito. O Estado não tem o domínio sobre si, ao contrário, o indivíduo é que determina as bases da sua existência. Há o Estado porque o ser humano dele necessita para ser servido, e se há uma força que age além do conhecimento racional do homem, ela não age de fora para dentro, determinado a ação humana na direção da formação de um Estado como finalidade, ao contrário, os homens são, nas palavras de Schopenhauer, “marionetes puxados não por fios exteriores(...) mas movidos por um mecanismos interior”(SCHOPENHAUER, 1996, apud BRUM, 1998, p. 31), mecanismo este que no entendimento do historiador suíço é o espírito humano que, de forma diferente da História, mantém uma continha linha de evolução. O Estado, então, evolui não por haver um progresso na História e sim por haver uma evolução do espírito humano. Apesar dessa evolução por causa dela, o Estado, por si só, não seria capaz de potencializar os homens a se ilustrarem. Vejamos, então, o que o historiador suíço nos diz sobre a Religião.

1.2 RELIGIÃO

                  Ao falar do Estado, Burckhardt deixa claro que quem faz o seu desenvolvimento é a humanidade e não o inverso, e essa capacidade do ser humano torna-se mais evidente no seu relacionamento com a Religião. Dotado de espírito, o ser humano tem nas religiões “... a expressão das eternas e indestrutíveis necessidades metafísicas...” (BURCKHARDT, 1961, p. 45) de sua natureza. Tudo aquilo que o homem não pode dar a si mesmo faz vir a si através da religião, que se torna perene ao longo do tempo através da projeção de civilizações sobre outras.
            A exemplo do que foi expresso com relação à Potência anterior(o Estado), a Religião também não permite um estudo do seu princípio, nem mesmo por via da comparação com povos em estágio de civilização diferentes. Um radical sentimento de superioridade racial é proferido pelo historiador suíço quando retoma o tema das origens, tanto da Religião quanto do Estado.

“Eliminemos, desde já, portanto, as religiões das raças menos importantes, das populações negras etc., dos selvagens, semi-selvagens, já que elas nos explicam menos sobre a formação espiritual dessas populações do que o Estado fundado pelos negros explica a formação do Estado civilizado.” (BURCKHARDT, 1961, p.45)


                   Seria cômodo suprimirmos essa passagem de flagrante racismo. Evidentemente que devemos levar em conta o momento histórico vivido por Burckhardt, o crescente temor da perda iminente de seu status de civilização superior, bem como a inadiável decadência da aristocracia alemã que muito refletia sobre a parte da Suíça em que vivia. Mesmo assim, o sentimento de superioridade existia, o que é contraditório em sua obra, pois em alguns momentos chega a condenar a arrogância que alguns possuem em se considerar como superiores, mas mesmo esse seu sentimento não invalida as suas teorias sobre a História, e, afinal, a utilização que vai ser feita dos seus sentimentos independem de seus sentimentos individuais.
                    Fechando esses parênteses e voltando ao surgimento de uma religião, na opinião do professor suíço, ele se dá de forma repentina e a partir de um indivíduo, seja ele líder. Apoiando nas religiões historicamente conhecidas, afirma todas como extrato de momentos de crise que têm o seu apogeu coroado por uma auréola triunfante. Burckhardt refere-se não somente às três grandes religiões monoteístas e líderes correspondentes, mas também às que donomina como parcialmente naturais e politeístas. O que faz, então, que essas religiões surgidas repentinamente, a partir da experiência individual de um único ser humano façam convergir ao seu encontro tantas pessoas atinja enormes proporções de crescimento? Para Burckhardt, por dois motivos principais:

“Uma parte da humanidade adere a elas porque o fundador ou o acontecimento em si tocou exatamente o ponto vulnerável da sua necessidade metafísica. A massa, em geral, adere também porque não pode resistir ao seu fascínio, porque tudo que é claramente delimitado possui um direito incontestável sobre tudo que é incorreto, vago e anárquico.” (BURCKHARDT, 1961, p.48)

                  A religião age sobre a massa de forma semelhante ao Estado, partindo do desejo suprime o mesmo tipo de sentimento que toda uma coletividade poderia vir a ter. E se preciso for, como veremos mais adiante, a Religião utilizará um dos artifícios que é característica do Estado, a violência.
                  Essa predisposição de um povo para absorção da Religião em seu seio ocorre evidentemente de formas diferentes, de acordo com o tipo de desenvolvimento cultural que apresenta, podendo tanto desenvolver um culto próprio bastante complexo ou, por outro lado, importar ou deixar-se influenciar por culturas que possuem uma Religião mais desenvolvida. Como um exemplo dessa segunda hipótese, estão colocados os gregos e romanos. Burckhardt refere-se aqui ao princípio da Era Cristã, que tiveram seus olhos cultos religiosos substituídos pelas religiões judaica e cristã. Havendo, a fusão de elementos das culturas envolvidas, com predominância dos elementos das culturas que em princípio eram consideradas inferiores.

                  Ora, nesses momentos de fusão de uma Religião existe um “estado de alma, ainda que a sua duração seja brevíssima, decisivo... que em certos casos até lhe transmite as suas instituições e seu prelado.”(BURCKHARDT, 1961, p. 49-50). Burckhardt alerta que a possibilita de chegar a tal conclusão só é possível em religiões criadas posteriormente, as mais antigas onde as tradições e recordações populares dominam o culto não permitem uma interpretação semelhante. As instituições originadas nos primórdios da Religião, que assemelham-na ao Estado, o que gerou inúmeras disputas entre ambos pelo poder temporal.

                   No que concerne à divisão das religiões, Burckhardt dedica maior atenção às denominadas universais, que são o Budismo, o Cristianismo e o Islamismo. Ele as considera universais porque “surgiram mais tarde, seu veículo de propagação mais forte é quase sempre de natureza social, por predicarem a abolição de castas”(BURCKHARDT, 1961, p. 54). Além disso, são expressas como religião dos pobres e escravos; ressalvando que o Islamismo não se enquadra nessas últimas características. O mais importante nestas três religiões é que o seu surgimento tardio permite uma melhor compreensão histórica, são dotadas de inúmeros documentos. É evidente que o texto sagrado seja considerado como única fonte para professar a fé; têm ações no meio social bastante visível, uma vez que propõem uma reestruturação da sociedade com base em igualdade para todos, mesmo que priorizem tal revelação da verdade muito mais ao nível espiritual. Esses motivos são suficientes para Burckhardt designá-las como principais responsáveis pelas maiores crises históricas, pois, “desde o seu despertar, têm plena consciência de sua universalidade e não poupam esforços para atingi-la concretamente” (BURCKHARDT, 1961, p. 55).
                 Muito embora sejam responsáveis por crises históricas, todas as religiões passam também por processos de desintegração, chegando a ser extintas, dependendo da sua capacidade de restauração do nível de envolvimento com o Estado. Um quadro de desintegração principia, normalmente, com o surgimento de uma heresia, cujo indício da Religião predominante já não mais atende às necessidades metafísicas que determinaram o seu surgimento. Essa desintegração leva, não raramente, a guerras em nome da fé. A violência, que em alguns momentos é julgada necessária por Burckhardt, especificamente no que se refere ao surgimento do Estado, é, nas dissensões religiões, abominada. E quando essas guerras realizam-se entre povos civilizados, são as mais terríveis de todas, porque “... os meios de ataque e defesa são praticamente ilimitados, a moral normal e o direito são abolidos completamente para obter-se um ‘objetivo mais elevado’;... quere-se tudo ou nada” (BURCKHARDT, 1961, p. 58).
                  É nesse ponto que um estágio de desintegração não se imagina outra coisa senão a possibilidade do declínio, isso nunca se dará totalmente apenas pelo surgimento de uma nova, mesmo que essa já possua uma correspondência bem maior com as necessidades metafísicas de um povo. Assim, haverá a coexistência entre duas religiões que se opõem, umas mais antigas e uma mais nova, a não ser que o Estado intervenha a favor de uma das partes, acontecendo então, a extinção de uma delas. Como exemplos da atuação do Estado em favor de uma religião, temos: a legislação de Constantino até Teodósio que suplantou o culto greco-romano; a Reforma Protestante que nos locais onde recebeu o apoio estatal foi vitoriosa, em outros onde isso não aconteceu, logo definhou.
                  Isto significa dizer que esses exemplos mostram, primeiro, a religião cristã vencedora sobre o culto pagão; em seguida, a religião reformada sendo ora vencedora, ora vencida. Em todos os casos a ação do Estado, por vezes violenta, foi determinante. Encerramos esta arte com uma citação em que Burckhardt lamenta o destino de uma jovem Religião, que não é outra senão a sua própria, ao menos na qual foi criado desde a infância. “Assim, verificamos que até mesmo uma Religião jovem, aparentemente vigorosa, pode desaparecer parcialmente ou em certas regiões, em algumas das quais talvez para sempre”(BURCKHARDT, 1961, p.62). Colocando dessa forma, o Estado e a Religião em patamar de igualdade, sobretudo no que diz respeito à não “ilustração” do ser humano; sigamos, de perto, suas considerações sobre a Cultura.


1.3 CULTURA

                  Assim como a Religião e o Estado, a Cultura passa por fases de crescimento, apogeu e declínio, porém, possui uma diferença em relação aos dois, ela é a soma “... criações espontâneas do espírito que não reivindicam para si uma validez obrigatória universal (BURCKHARD, 1961, p. 62). No caso de galgar essa validez, não o faz por meio dos artifícios das outras duas Potências (Estado e Religião), sobretudo a violência, de outro modo, age da maneira mais natural possível, natural no sentido de não impor violentamente o seu desejo. A Cultura é responsável pelo avanço intelectual do ser humano, configurando-se em um processo de transformação das ações instintivas e espontâneas do conhecimento inteligente até os mais altos graus, que são, respectivamente, a ciência, a Filosofia e a reflexão pura. Esta é a forma interna que possui a Cultura, o que demonstra se avanço em relação ao Estado e à Religião; pois estas duas estruturas, em seu domínio, não buscam uma evolução, mas de outra forma”. permanecem o mais estável possível para que seu poder possa ser perpetuado. Externamente, a Cultura está mais estreitamente ligada com a sociedade, pois não exige dela uma submissão aos seus interesses; como já foi exposto, a Cultura nasce de maneira espontânea no ser humano.
                  A Cultura é a identidade de um povo, o símbolo dessa identidade, para Burckhardt, é o idioma, “ponto culminante de toda Cultura... um milagre do espírito” (BURCKHARDT, 1961, p. 63), a língua é a expressão mais específica do espírito de um povo. Mesmo considerando a língua como ponto culminante de toda Cultura, as grandes obras artísticas só surgem após o florescimento total do idioma. Para que seja possível dizer e criar, antes é necessário atingir a perfeição do veículo que será utilizado para tais expressões. O idioma é o ponto culminante, mas não o melhor produto de uma Cultura.
                  Originada no espírito humano, a Cultura possui uma dupla forma de se expressar, espiritual e material. Isto porque o espírito humano, em princípio, também necessita de um suporte material, como forma de materializar suas atividades espirituais. Burckhardt toma, como exemplo, para simbolizar essa atitude do espírito na produção artística, as narrativas homéricas sobre a Guerra de Tróia, demonstrando que o

“... excedente espiritual beneficia a própria forma do objeto criado, adornando-o e aperfeiçoando-o o máximo possível - as armas e os acessórios são descritos magnificamente por Homero, antes mesmo de serem traçadas as imagens divinas da plêiade de deuses helenos.” (BURCKHARDT, 1961, p. 65)
                A expressão material se antecipa à espiritual como forma facilitadora para a compreensão do estágio de evolução do homem, que nesse exemplo é a obra homérica. Essa maneira de se exprimir que, em um primeiro momento apenas demonstra o trabalho do homem, aos poucos se apodera dele, transformando-se em arte de forma mais pura, mesmo antes que ele se aperceba disso. Sendo assim numa forma mais evoluída, o espírito toma consciência de si mesmo, realizando suas criações sem a necessidade de uma expressão material que anteceda a espiritual.
                 No que se refere à hierarquia das artes, Burckhardt, assim como Schopenhauer, considera a poesia e, sobretudo, a música como superiores. Esta segunda por sua linguagem de caráter universal. Além disso, mesmo que as ciências e a Filosofia sejam estágios superiores da evolução humana, elas não possuem a função criativa contida nas artes, são apenas classificadoras e analisadoras da natureza e da vida humana. O inverso ocorre com as artes:

“Elas não tratam de algo já existente antes delas e mesmo sem elas, por outro lado, não é sua tarefa definir leis(justamente por não serem ciências), mas, ao contrário, devem descrever ou representar uma vida mais elevada, a qual sem elas e antes delas não existiriam” (BURCKHARDT, 1961, p. 66).


                  Burckhardt compreende que essa capacidade das artes permite, desde a Antiguidade, que o artista, mesmo sem nada saber dos pósteros, consegue legar grandes produções. Aceitando a opinião de Schiller, Burckhardt explica e reconhece essa capacidade a arte ao admitir que aquele que em seu tempo conseguiu satisfazer os melhores terá a vida eternizada. As palavras de Heródoto na apresentação de suas Histórias representam, em parte, esse poder de eternização; em parte pelo fato do historiador grego não ser exatamente um artista na compreensão de Burckhardt. Entretanto, acreditamos que Schiller pode ter ser inspirado na afirmação herodotiana que diz ter escrito seu livro “para que feitos maravilhosos e admiráveis dos helenos e dos bárbaros nos deixem de ser lembrados” (HERÓDOTO, 1988, p. 19). Mesmo não sendo uma obra de arte, ao menos essa afirmação, contida no livro de Heródoto, guarda um significado semelhante, qual seja, que “a arte e a poesia extraem do mundo imagens válidas e compreendidas universalmente”(BURCKHARDT, 1961, p. 66).
                  Diferentemente do que ocorre tanto como a Religião quanto com o Estado, em que Burckhardt não aceita e não acredita na possibilidade de uma analogia com situações presentes para determinar suas origens e significados; com a Cultura, acredita na capacidade que o espírito humano possui para, inclusive, a partir de excetos remontar toda uma obra. A sensibilidade do estudioso, aliada à sua capacidade intelectual é fator determinante neste caso. Não sendo suficiente, entretanto, para manter a Cultura como superiores às demais potências, seu domínio, embora criativo, é sempre mais frágil tendo em vista que não possui nem busca criar estruturas que permitam a sua manutenção no poder. Sua característica maior é a espontaneidade oriunda do espírito humano que almeja sempre a liberdade. Portanto, seria um contrapeso então, que tentasse se perpetuar no poder. O que é lamentável, pois são os momentos de predomínio da Cultura, a exemplo o Renascimento, o que o poder humano aflora com maior intensidade, proporcionando os mais fortes momentos de gozo de liberdade e democracia. Conduzido o ser humano para a ilustração e elevação daquilo que é realmente eterno e duradouro, o espírito.

2. AS CRISES NA HISTÓRIA
                  Apesar da capacidade de elevação do espírito humano, capacidade essa intensificação pela Cultura quando esta consegue sobrepujar as demais Potências; a história não deixa de passar por crises: o problema das crises históricas é outro ponto central da obra de Jacob Burckhardt. Dois de seus livros, A época de Constantino, o Grande e A Cultura do Renascimento na Itália, tratam do estudo das grandes crises do mundo ocidental: a mudança do mundo pagão para o mundo cristão, e o nascimento do mundo moderno. Além destas duas obras, uma terceira, exatamente a que nos serviu de base para este artigo, Reflexões sobre a História, demonstra a preocupação que o velho professor guardava a respeito das crises no ser mundo contemporâneo. Ou seja, porque a história, feita por homens capazes de tão nobre elevação espiritual, não consegue se manter longe, pelo menos, das grandes crises?
                 Ele afirma que a resposta a essa pergunta talvez já tenha sido dada no capítulo anterior, quando afirmamos que a Cultura embora criativa é frágil e sendo frágil não cria estruturas que permitam sua superioridade sobre as demais Potências. Nesse sentido, a espontaneidade cultural do espírito humano torna-se impotente diante das estruturas do Estado e da Religião. Sendo assim, as crises históricas não são frutos diretos da Cultura, como já dissemos, as crises nascem do inter-relacionamento das três Potências e, sobretudo quando há o predomínio do Estado e da Religião.
                  O lugar de destaque que ocupa o problema das crises históricas no pensamento de Burckhardt, não é meramente casual, é conseqüência direta de sua concepção da história e do sentido que por ele era atribuído a sua ocupação de historiador. Pela sua crença no espírito humano, por sua natureza contemplativa, Burckhardt acreditava que a seqüência dos acontecimentos singulares não era tema propício ao historiador, mas a reunião de forças permanentes, oriundas da natureza humana, que na realidade constituem toda a ação histórica. Burckhardt, apesar de acreditar grande valor aos documentos, não pretendia a reprodução e reconstrução do passado, como era pretensão de Ranke, mas, a compreensão universal da possibilidade da história. O que levava Burckhardt ao estudo das crises na história era, em primeiro lugar, sua crença na sua atividade de historiador; em segundo lugar, o seu próprio destino pessoa: por um lado torna-se apolítico, por outro, era um humanista convicto, em um tempo em que isto não era mais reconhecido como valoroso. Esses fatores levaram-lhe a ver na história a única realidade com verdadeira substância. Ele sabia bem que o que diferencia o homem civilizado do não civilizado é a consciência que o primeiro tem do processo histórico.
                  É interessante assinalar que a certa altura de suas Reflexões, chega a dizer que “nossa época está melhor equipada do que as anteriores para estudar o passado”(BURCKHARDT, 1961, p. 22); além de ter ciência do processo histórico, sabe do melhor aparelhamento do seu tempo para realizar o estudo de tal processo. A reclusão a que se submete o historiador suíço pode ser vista não apenas como causada pela melancolia de não poder ver na sua Basiléia a Florença da Itália Renascentista, ou então, a Atenas Clássica, mas como parte de seu método: se afastar do presente, assim como estava afastado do passado, para melhor compreender a crise pela qual a Europa passava.
                 O conceito que Burckhardt tinha de Crise, era o de modificação brusca, não das Potências integrantes da história, mas da relação mútua que havia entre elas. Sendo assim, uma Revolução, a queda de um Estado ou de um sistema de formas culturais são crises no sentido que dá Burckhardt. Entretanto, seu método, atípico, principalmente para a época em que vivia, não nos remete a exemplos em suas “Reflexões”, ao priorizar a causalidade da natureza humana como motor da história, nos priva de maiores exemplos a respeito dessas modificações. Podemos dizer, que as duas obras históricas citadas no princípio desse aspecto trazem as exemplificações das crises. Reflexões sobre a História trazem, por outro lado, a tipificação destas crises.
                  Burckhardt busca compreender o seu tempo como verificação de suas próprias possibilidades históricas. Essas possibilidades são correntes no mundo moderno, mostram-se de forma definitiva no Renascimento, alcançando sua realização última no processo iniciado com a Revolução Francesa. O acontecimento essencial à existência nos séculos modernos é o afastamento do homem europeu das vinculações que determinaram a existência ocidental e, como conseqüência, o desaparecimento da liberdade. Em uma carta pessoal Burckhardt escreve:

“Tenho uma premonição, que mais parece uma perfeita loucura e, no entanto está decidida a não me abandonar: o estado militar deverá tornar-se uma grande fábrica. Aquelas hordes de homens nos grandes centros industriais não ficarão indefinidamente entregues à sua ganância e à sua vontade. Pela lógica, deverá seguir-se uma restrição fixa e supervisionada da miséria, controlada por promoções e uniformes, começando e acabando todos os dias ao som de tambores...” ( BURCKHARDT, 1872, apud LÖWITII, 1991, p. 36)

                  A perda da liberdade no mundo Moderno, descrita da forma mais pessimista nessa sua premonição, é para Burckhardt o fenômeno decisivo na crise do mundo Moderno. Sua expressão clássica se encontra na Revolução Francesa, na qual a liberdade substantiva do homem individual é substituída pela liberdade meramente negativa do homem como cidadão. Para Burckhardt, as individualidades desaparecem absorvidas por uma massa instruída, além disso, o homem converte cada vez mais como finalidade de sua existência a atividade econômica e o mundo pessoal. Essa redução paulatina da existência humana à esfera do privado, e sua conseqüência no terreno político, a potencialização do Estado e sua conversão em um aparato como finalidades próprias e independentes, determinam as características de uma época cuja essência se encontra no caráter provisório de todas as formas por onde se enxergue a sua existência.
                 Por assim entender a crise de seu tempo, Burckhardt pôde também lançar o seu olhar sobre o futuro. Não em um gesto profético, mas com um saber histórico da trajetória do seu presente. Para Burckhardt, o futuro contido no presente de seu tempo era a barbárie civilizada “que nunca transcende a própria esfera cultural limitada” (BURCKHARDT, 1961, p. 16), uma época em que se perpetuam os elementos artificiais e tão somente externos da cultura tradicional, pois já havia desaparecido o tipo humano que fez nascer essa cultura e que fez dela seu destino individual. Fruto desta época será a constituição de um novo poder político que combinará em si a disciplina militar e a técnica industrial. Ao Estado assim tipificado, com o poder de aniquilamento da individualidade humana, Burckhardt acredita que caberá o encerramento do atual ciclo da cultura ocidental. Cultura que representa os interesses do Estado e, por isso, não tem meios de subvertê-lo; é um momento em que o espírito humano encontra-se estagnado, pois a Cultura está subordinada ao Estado.


CONCLUSÃO

                  Após termos expostos e analisado a interpretação do processo histórico de Jacob Burckhardt, por meio de seu entendimento acerca das Potências que interferem de forma direta neste processo, bem como das crises a que a história está sujeita; reiteramos que a história para o estudioso suíço não possui uma continuidade, posto que ela está sujeita a modificações causadas pela ascenção e declínio das Potências: se, por exemplo, o Estado domina os rumos da história e posteriormente é subjugado pela Cultura, todo aquele sistema baseado na imposição de uma vontade individual refletindo sobre o desejo coletivo, é substituído por uma necessidade espiritual universal humano, invalidando toda uma estrutura de poder e coação em favor da liberdade do ser humano. Ora, o Renascimento Italiano é exatamente o exemplo acima descrito, é um momento da história em que a Cultura substitui uma velha forma de poder do Estado e abre caminho para o Estado moderno, uma vez que, como expomos, a Cultura não detém meios de coação e força que permitem sua manutenção no poder, além de não lhe dar importância por se tratar da mais espontânea forma de expressão do espírito humano, não buscando então respostas materiais ao seu impulso criador, tão somente buscam a evolução do espírito humano que é de onde ela se origina.
                  Por outro lado, o fato de a Cultura não conseguir manter-se acima das demais Potências, é uma prova a mais da impossibilidade de se crer em um progresso da história, e, mesmo que Burckhardt expresse que crê no fim da civilização ocidental e no seu estágio atual de cultura, quando assim fala, não está se referindo ao fim da Cultura enquanto Potência modificadora como também não da Religião e do Estado, mas do estágio em que a sua sociedade vivia, dominada pela força do Estado subjugado tanto Cultura quanta Religião, o que causa então uma retratação dessas duas, levando o homem a abdicar, forçosamente, dos mais valiosos sentimentos: a satisfação da necessidade metafísica, por parte da Religião; e evolução do espírito, através do desenvolvimento artístico e científico, por parte da Cultura.
                  O reinado da Cultura é, para Burckhardt, o momento pleno do desenvolvimento do ser humano, o único caminho a seguir para atingir os maiores anseios do ser humano, a igualdade e a liberdade, sendo errôneas as interpretações que indicam o Estado como fonte proporcionadora desses elementos da vida humana. Realizando seu trabalho em fins do século XIX, priorizando a cultura, Burckhardt transcende o modo de fazer história do seu tempo, vai além da narrativa de fatos político e do Estado, dando à interpretação da história uma mobilidade que foge à mera cronologia e sequenciamento dos fatos; e assim, sem acreditar no progresso, dotava a história de uma real mutabilidade. E, quando descreve “mais as tendências do que (narra) os acontecimentos” (BURKE, 1992, p. 18), Burckhardt se antecipa, em parte, aos trabalhos que posteriormente seriam desenvolvidos pela nova história, a partir de 1929, com Lucien Febvre e Marc Bloch com a fundação da revista Annales.
                  Pelo que foi exposto, acreditamos na validade da forma de interpretação da história de Jacob Burckhardt, não apenas porque desvinculada essa interpretação de estruturas como estado e economia, mas, sobretudo, porque aponta o ser humano como ponto central e o seu envolvimento em sociedade, como fundamental para o progresso humano, que independe da possibilidade de um progresso da história.







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