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quarta-feira, 18 de maio de 2011

A UTOPIA E A ÉTICA DE THOMAS MORUS: FANTASIA OU IMPUGNAÇÃO?

RESUMO. O que é Utopia na concepção de Thomas Morus[1]? Do ponto de vista de Thomas More a obra chamada Utopia, foi publicada em 1516 além de cunhar a expressão, foi mais adiante e se transformou num paradigma das formulações de projetos sociais, culturais, políticos chamados utópicos. Thomas More, nessa obra, retomou um tema bastante raro à filosofia política e à religiosidade ocidentais que é a idéia de uma sociedade organizada, perfeita e justa. É importante perceber que Thomas Mores retomou, a seu modo, essa questão, perguntando-se sobre as possibilidades de se construir uma sociedade justa através de suas bases. O artigo exposto privilegia a discussão sobre o tema da propriedade privada e como este conceito é entendido na obra em questão no contexto historiográfico. Vale ressaltar que a presente obra Utopia de Thomas Mores apresentou uma espécie de coletivismo, seguindo à moda de Platão em A República, de quem More recebeu decisivamente em sua inspiração ou influência. É neste sentido que o coletivismo da ilha de Utopia caracterizava-se pela crítica a até então nascente forma da propriedade capitalista e por essa razão transformou-se num clássico da filosofia política, mas pode-se perguntar, se seria possível tal coletivismo e em que ele consistiria. Como se vê, a obra, porém, não é isenta de problemas, indagações e o primeiro deles é a existência da própria escravidão. Em conseqüência, isso demonstrava com todo vigor que, mesmo sendo uma crítica à sociedade capitalista de seu tempo, a Utopia guarda ainda estreita relação com o modo de pensar do período em que foi escrita. Seria a Utopia somente um contra-exemplo de sociedade? Seria More apenas um reacionário? Qual a principal crítica que Thomas Morus faz ao escrever a "Utopia"? Em suma, Thomas Mores fez uma crítica ao poderio dos reis, da ganância gerada pela riqueza e pelo poder.

Palavras-chave: Utopia - Thomas More - Propriedade Privada - Humanismo.
1. INTRODUÇÃO


                 O escritor e pensador inglês, Thomas More nasceu a 7 de fevereiro de 1478 em Milk Street, Londres, filho de John More, mordomo de Lincoln’s Inn e posteriormente cavalheiro e juiz. Fez os primeiros estudos na Saint Antony’s School e, menino ainda, tornou-se pajem do arcebispo de Canterbury, John Morton (1420-1500), do qual recebeu decisiva influência intelectual. Ingressou na universidade de Oxford, onde passou a estudar Direito, a pedido do pai. Ao mesmo tempo dedicava-se à teologia e às literaturas grega e latina, escrevendo versos tanto em inglês como em latim.
                  Nessa época traduziu quatro diálogos de Luciano (séc. II) e uma biografia de Pico della Mirandola, um de seus modelos renascentistas. O conhecimento das leis facilitou em muito sua vida política, onde em 1504 tornou-se membro do Parlamento, e desde então nunca mais abandonou a política. Casou-se duas vezes, primeiro com Jane Colt, em 1505, com quem teve quatro filhos, e que veio a falecer seis anos depois, e então com Alice Middleton. Toda a obra de Thomas More inseriu-se assim dentro dos quadros do pensamento renascentista, mais particularmente dentro das coordenadas do humanismo. A posição de More dentro desse panorama mostrou-se muito clara na principal obra que escreveu, A Utopia. A mais significativa característica dessa obra, do estrito ponto de vista da história da filosofia, reside na revalorização do epicurismo, onde todos devem procurar o prazer e em todos os sentidos.


2. A COMUNICAÇÃO DE RAFAEL RITLODEU, A MORE



                   Thomas More era político, e tinha muita influência no reinado inglês como parlamentar. Certa vez ele foi enviado a Flandres para resolver questões diplomáticas, e foi ali onde conheceu um homem que viria a ser seu grande amigo, Pedro Gil. Certo dia, quando se encontrava em Notre-Dame, revê Pedro Gil que estava acompanhado de outra pessoa, e nesta data Thomas conhece Rafael Hitlodeu, um homem com potencial e inteligência muito elevados, que conhece muitos lugares e muitos povos, foi um grande descobridor de novas culturas, das quais relata costumes, instituições, formas de governo e diferenças morais e legislativas, além de inúmeras diferenças entre esses povos com relação à sociedade [A sociedade é dividida em castas - sifograntes, trabalhadores e escravos -, em que estão habituados a conviver. De suas várias viagens pelo mundo, Rafael leva enorme bagagem consigo, e tem a honra de expor seus conhecimentos aos interessados em ouvi-lo.
                  Rafael é um grande defensor da sociedade igualitária, e a expõe a todos com quem conversa, principalmente depois de ter conhecido a Ilha de Utopia, seu principal apoio para expor e defender seus argumentos. De suas viagens, Rafael relata grandes acontecimentos, como uma conversa que tivera certa vez com um douto legista na casa "do reverendíssimo padre João Morton, cardeal-arcebispo de Cantuária e chanceler da Inglaterra" (MORE, 1997, p. 26), onde se via honroso em criticar a forma de como os ladrões se multiplicavam na Inglaterra, mesmo tendo como punição a morte. Foi então onde Rafael expôs que a vida de um indivíduo não deveria ser-lhe tirada pelo simples fato deste ter cometido um furto, pois geralmente, quem comete o ato, o faz por estar na miséria, e sem nenhuma forma de obter sustento para si e conseqüentemente para a família, e então, a sociedade que assim o transforma, se vê no direito de julgar e tirar-lhe a vida pelo simples fato deste querer viver honestamente, mas muitas vezes, sem conseguir pelas barreiras sociais que são impostas.
                   Thomas questiona Rafael do porque que ele não serve a um reinado, pois seria muito útil e de grande valor a qualquer príncipe com seu vasto conhecimento e amplitude de pensamento, no que Rafael responde: "A filosofia não tem acesso na corte dos príncipes" (MORE, 1997, p.46), pois a grande maioria só pensa em lucros e vitórias nas guerras para conquistar mais povos e obter mais terras, deixando de lado as questões morais e éticas que deveriam ter, acumulando assim riqueza para o império, e principalmente para si próprio. Em seu discurso Rafael conta sobre uma incrível ilha, onde tudo é diferente, a forma de se governar é com poucas leis e dificilmente alguém as transgride, seus cidadãos são felizes com aquilo que possuem e que produzem, pois a riqueza do seu reino é enorme, mas não é comparável com a felicidade que eles podem obter, pois o prazer está acima de tudo, mas, afinal o que é exatamente Utopia?



3. ESSE LUGAR É A ILHA IMAGINÁRIA  


                   A ilha imaginária nunca existiu, "chamava-se antigamente Abraxa e se ligava ao continente; Utopus apoderou-se dela, e deu-lhe seu nome". (MORE, 1997, p. 57). A Ilha de Utopia é em formato de um semicírculo, e é constituída por cinqüenta e quatro cidades semelhantes, conforme a natureza permite. Será relatada a Cidade de Amaurota em particular, por ser a sede do governo e a que Rafael viveu durante cinco anos. Uma cadeia de altas e largas muralhas circunda a cidade e, existem pequenas distâncias, onde SE erguem torres e fortalezas. Ás muralhas dos três lados estão cercadas de fossos sempre secos, mas largos e profundos, atravancados de sebes e espinheiros.
                  O quarto lado tem por fossa o próprio rio". (MORE, 1997, p. 62). As casas e os edifícios são muito confortáveis, os edifícios são construídos acompanhando o longo das ruas todos com três andares, e são feitos de pedra ou tijolo, o teto é composto de uma matéria moída e incombustível. As janelas tanto das casas quanto dos prédios são envidraçadas para abrigá-los do vento. "Algumas vezes substitui-se o vidro por um tecido de uma finura extrema revestido de âmbar ou óleo transparente, o que oferece ainda a vantagem de deixar passar a luz e evitar o vento". (MORE, 1997, p. 63). "TRINTA FAMÍLIAS fazem todos os anos, a eleição de um magistrado, chamado sifogrante na antiga linguagem do país e filarca na moderna. Dez sifograntes e suas trezentas famílias obedecem a um protofilarca, antigamente denominado traníbora". (MORE, 1997, p. 65), Mil e duzentos sifograntes fazem a escolha de um príncipe entre quatro candidatos do povo.
                  As questões de alta importância são comunicadas pelos sifograntes ao povo através de comícios. O caso é examinado em assembléia popular, e então, os sifograntes levam ao senado o parecer do povo, algumas vezes toda a ilha é consultada. Quando uma proposta é feita, não é permitido que se faça a discussão no mesmo dia, ela é transferida à próxima sessão, assim, todos têm tempo para refletir sobre o que vão dizer, e para que não venha a afetar o bem estar de toda a população.
                  Os utopianos são livres para aprenderem tudo o que quiserem, apenas uma arte lhes é obrigatória, a da agricultura, a qual todo utopiano deve saber. Acreditava-se que todo jovem devia seguir a carreira do pai, mas às vezes havia tal desejo sobre outro ofício, que os pais encaminhavam seus filhos as famílias que faziam uso de tal ofício, para que o jovem se aprofunda-se em conhecimento e prática. Havia também aqueles que aprendiam mais de uma profissão. Os utopianos trabalhavam seis horas por dia, mas com prazer, e ficavam livres os restos do dia. À noite praticavam jogos, mas não os de azar, e sim uma espécie de xadrez, que também servia para desenvolver a mente. Quando sua produção era em excesso, eles diminuíam as horas trabalhadas, e promoviam a parte social. Quando fazem a colheita, celebram a união entre o campo e a cidade. Quando os utopianos se sentiam na necessidade, eles fundavam uma nova colônia no continente mais próximo, onde os índios têm mais terra do que precisam. Quando há um outro povo que quer se unir a eles, e aceita as leis utopianas, esses vão compartilhar e viver em paz e harmonia. Os utopianos depositam tudo o que produzem no mercado, onde o pai de família vai buscar os produtos necessários sem dar nada em troca. Os almoços e jantares são sempre acompanhados de leituras de livros de moral, e após as refeições há muita conversa entre eles.
                 Em questões diplomáticas, mantêm certa independência dos demais países, devido ao corrompimento dos mesmos. A liberdade de expressão é de certa forma justa, pois todos compartilham da mesma tranqüilidade. Todo o cidadão de Utopia,  pode viajar ou ver parentes em outras cidades, desde que lhes seja concedida uma autorização das autoridades vigentes em sua cidade. Quando saem, levam consigo uma carta, na qual está fixada a data de retorno. Ao viajar, o utopiano possui direito sobre uma carruagem com mais um escravo junto para conduzi-la. Cada utopiano que passa mais de um dia em outra cidade tem a obrigação de ali cumprir com suas obrigações que lhe eram atribuídas na sua cidade de onde partira. O cidadão que sair de sua cidade sem a autorização é punido e em caso de reincidência, ele perde a liberdade.
                 Na utopia não existe tabernas, prostíbulos, nem antros ocultos, não existe preguiça nem ociosidade. E a abundância de todas as coisas é fruto da vida ativa que levam. A mendicidade e a miséria para eles são desconhecidas. No senado, há reuniões para avaliar a situação econômica das cidades ver onde há de mais e onde há de menos, para então fazerem a compensação, sendo esta, gratuita. O que torna toda a república utopiana uma mesma família com igual situação. Possuem sempre uma reserva de alimentos útil, caso haja uma má colheita. O excedente eles exportam, e vendem por um preço moderado, e o pagamento é armazenado no tesouro público, o qual é utilizado para pagar tropas estrangeiras em caso de guerra, pois evitam utilizar os cidadão da ilha nas batalhas. Para os utopianos a riqueza que os outros povos pensam estar possuindo com ouro, diamante e outras coisas mais, lhes são desprezadas, fazendo com que isso enfeite os escravos.
                  As crianças gostam de brincar e usar essas pedras, mas na medida que vão crescendo, se desfazem delas naturalmente. Certa vez chegou em Utopia enviados de Anemólia para tratar de negócios, e foram todos pomposos, cheios de ouro e diamantes e muito elegantes se pareciam, pensavam eles que os utopianos não se vestiam bem, e que viviam envolvidos por trapos. Notaram então que todos os utopianos os olhavam e não entendiam o porque, percebiam que escravos estavam revestidos por ouro, e então começaram a notar a diferença que os utopianos faziam em relação ao ouro, ficaram todos envergonhados quando notaram que eles desprezavam a riqueza, pois essa não lhes trazia nenhum benefício que não fosse o de vestirem-se como pombos e palhaços.
                Para os utopianos existem dois tipos de prazer, os do corpo e os da alma. Os da alma consistem no desenvolvimento da inteligência. Os do corpo consistem na alimentação, pois ela é quem devolve as forças usadas no dia-a-dia. Eles entregam-se principalmente aos prazeres do espírito, pios para eles é o principal e essencial de todos os prazeres. Possuem conhecimento sobre diversas áreas profissionais, tinham uma rica literatura e uma esplendida arte, a qual tratavam desde cedo com as crianças que desejassem aprender.
                 Os escravos na ilha são muitos, e são os responsáveis pelos serviços mais pesados. Trabalham acorrentados e por muito mais tempo que os utopianos. Eles são considerados indivíduos que cometem crimes graves. Eles também aceitam pessoas condenadas a morte em outros países para serem escravos em Utopia, os utopianos até vão procura-los, e os trazem por um preço bem baixo, e muitas vezes até sem pagar nada. Os indivíduos que ficam doentes são tratados da melhor maneira possível, sendo que os utopianos não poupam nada para a saúde, quer seja com remédios, quer seja com alimentos. Eles sempre tentam salvar os enfermos, e quando vêem que estes só estão sofrendo, tentam convence-los que a melhor coisa é descansarem em paz, e pararem de agonizar.
                  Considerando o povo mais feliz, acreditam na imortalidade da alma, que a felicidade está unicamente nos prazeres bons e honestos. Quanto ao casamento, as moças devem se casar aos 18 anos, e os rapazes aos 22 anos. Antes da cerimônia matrimonial, são colocados frente a frente totalmente nus, para que ambos possam observar se existe alguma deformidade nos corpos, para que no futuro, não possam comprometer o casamento, já que o adultério é tratado com punição rígida, ou seja, com a escravidão, e a reincidência é punida com a morte. Possuem poucas leis, mas com duras punições, sendo que todos as respeitam, além de que, os utopianos criticam a justiça de outros países, pois possuem muitas leis e na grande maioria falham.
                  Abominam a guerra e sempre que podem a evitam, pra eles não há nada de tão vergonhoso como procurar a glória nos campos de batalha. Tanto homens quanto mulheres exercitam a disciplina militar, para que todos estejam preparados caso precisem combater. Só guerreiam por graves motivos, principalmente quando está em jogo o bem da humanidade ou para repelir invasões. Para eles não é o número de combatente que decidem uma batalha, e sim a inteligência que é usada por cada combatente.
                  É melhor vencer o inimigo pela habilidade e pelo engenho, ou seja, pela força da razão, do que pelo confronto, agindo assim poupam milhares de vidas. Como são muito ricos, negociam os inimigos, pagando recompensa com dinheiro. Quando iam para a guerra, sempre levavam os sacerdotes junto, sendo que os quais ficavam por todo o tempo ajoelhados com as mãos para os céus, e todos acreditavam que quem os tocasse estaria amaldiçoado com a morte, pois os sacerdotes representavam figuras divinas entre os utopianos. A liberdade religiosa é uma característica utópica para manter a paz. Para eles a religião é trabalhar pelo bem geral.
                  Há aqueles que adoram o sol ou a lua, mas a grande maioria acredita em um Deus supremo, único, inexplicável e que preenche o mundo todo. Mesmo assim, com fins comuns de adorar a natureza divina e trabalhar pelo bem geral. Essa diversidade tende a desaparecer, e converter-se em uma única religião. Os padres são eleitos pelo povo e de santidade perfeita, e em número reduzido, e em cada cidade há um pontífice acima dos padres. A crença na presença dos antepassados inspira confiança nas suas ações e impede muitos crimes ocultos, pois segundo eles, os mortos se misturam aos vivos e são testemunhas das ações e palavras. Essa ilha, como o nome sugere, "em lugar nenhum", "algo que ainda não é", é então, uma sociedade de iguais, comunista, mas imaginária, aspirada pelos humanistas da época, e que dificilmente poderá tornar-se realidade algum dia.
                  Em contrapartida a utopia moreana, ainda que possa ser considerada um produto da razão que permite em paralelo o trabalho da faculdade da imaginação, constitui-se em um trabalho de crítica e contestação da realidade natural, humana, social, o qual não vai além daquilo que se acomoda na concretude de tudo o que pode ser percebido pelo ser humano. O pensamento utópico realiza esse trabalho de crítica contestadora por meio da criação de um outro de si dessa realidade vivida, agora na forma de não-lugar, de felicidade ainda não experimentada, de modo de vida ainda não concretizado pelo homem e pela mulher. Aí a fórmula oblíqua da filosofia utopista moreana, que não pretendeu ser uma teoria da reforma social.
      De outra maneira, e buscando a inspiração nas lições que aprendemos com a utopia de Morus, talvez possamos dizer que a utopia, em seu sentido lato, é o tipo de pensamento que rompe a desordem como ordem do real, hoje, amanhã e sempre, para propor o novo, razão pela qual a tese fundamental da mensagem utópica, que aponta para a possibilidade de recriação da vida e da realidade, possa ter em Morus uma relevante fonte inspiradora.
      É importante notar que a Utopia é uma crítica do regime burguês, ou seja, perceber-se que é um espelho das injustiças e misérias do Feudalismo. Pode-se, vislumbrar, portanto, que Feudalismo é o sistema reacionário banqueiro do ouro com Reis, Nobres, Vassalos e Servos da Gleba, com os donos de tudo escravizando e matando os súditos a seu bel prazer, como estão programando hoje a Globalização. Enquanto que os Burgueses eram os fugidos dessa servidão para os Burgos, onde prosperavam livres como comerciantes, artífices, viajantes, profissões liberais, estudiosos, artesãos, ourives, etc.
      Ainda discorrendo sobre isto colocamos uma breve explanação do livro de Morus para expor que a tal Ilha do Governo Perfeito. No livro primeiro o autor explica que foi um viajante que viveu na ilha algum tempo e contou como era. Já no livro segundo faz uma descrição física do território e se concentra uma descrição de uma família agrícola com 40 indivíduos ou mais e pelo menos dois escravos, mas, esse trabalho considerado perfeito seria a base da fartura e do bem estar. Cabe ressaltar que as artes e ofícios é o capítulo em que fala de roupas todas iguais. As viagens dos utopianos é outra parte onde se quer exibir a boa vida de viajar para conhecer e ter todas suas despesas cobertas. Com isso fazem trocas vantajosas e ganham muito ouro e prata, ou seja, esse ouro é para pagar tropas estrangeiras para suas guerras, preferindo expor à morte os outros, enquanto que os escravos parece ser parte essencial do sistema perfeito. Assim, acredita-se que são escravos e os criminosos, chegando a ir comprar criminosos nos outros paises. Os vencidos nas guerras também são seus escravos. Logo, o ouro e prata serão usados para sobrecarregar de enfeites os escravos. É importante perceber que a guerra é a aberração total.
      Além de contratar povos mais broncos prometendo grandes fortunas, expõem os contratados nos pontos mais perigosos para que morram e não haja que pagar. As religiões da utopia admitem pluralidade e que haveria um princípio superior para todas as crenças.Materialistas que houvesse não teriam direitos. O Artigo continua com a análise da época de Morus (1530), à qual se seguiram as Declarações dos Direitos Humanos e os conhecimentos sobre os Povos Indígenas das Américas e outras lendas como o Eldorado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

               Concluímos a Utopia é considerada por muitos críticos como um clássico do pensamento humanista escrito por um homem que, por força de seu comportamento coerente, foi sentenciado a morte. Como sabemos, Thomas More (1478-1535), ou Morus (na versão latina de seu nome), foi condenado por ter-se recusado a assistir à missa que coroava Ana Bolena (1500-1536) como rainha da Inglaterra, sem, desta forma, prestar-lhe juramento. Em Utopia, More constrói um encontro entre ele e sua personagem principal: um navegador português que abandonara tudo o que possuíra para fazer parte das expedições comandadas por Américo Vespúcio nas três últimas das supostas quatro viagens realizadas pelo navegante [hoje sabe-se que a primeira das quatro, a de 1497, não ocorreu de verdade]. Durante a última delas, quando Vespúcio instalou uma feitoria na atual região fluminense de Cabo Frio, deixando vinte e quatro homens nela, Rafael Hitlodeu, teria sido um deles.
                 Ao descrever a sociedade que se formara em Utopia para o próprio More e para um amigo em comum de nome Pedro Gil, responsável, no texto, por apresentar criador e criatura, Hitlodeu divide sua narrativa em diversos aspectos sociais como, por exemplo, o trabalho realizado pelo povo, o trabalho desenvolvido pelos magistrados, a existência de escravos – a incoerência de uma sociedade justa portadora de escravos.
                 Em face a própria existência da escravidão em uma sociedade supostamente igualitária, chama-nos a atenção a maneira como o povo utopiano lidava com a riqueza, em especial, com o ouro, que à época era o fator determinante do sucesso econômico de uma nação. A guerra a outras nações também era feita, mas Hitlodeu explica em quais circunstâncias e que, ao ocorrer, desenvolvia-se à base de mercenários para evitar o derramamento de sangue utopiano desnecessariamente.
                  O comércio exterior não visava à acumulação, mas, antes, colaborar com as nações vizinhas e amigas escoando seu excedente e disponibilizando o capital conseguido para o pagamento dos exércitos mercenários para se opor, pela força, a qualquer ofensa cometida por estrangeiros contra si própria ou contra seus aliados. É interessante observar a relação que os utopianos travavam com o ouro e com as pedras preciosas: o ouro, que tinha menos valor do que o ferro, uma vez que sua utilidade prática também era menor, era destinado ao fabrico de utensílios dos quais o povo poderia facilmente abrir mão em caso de necessidade de troca do metal, como no caso do pagamento de mercenários por conta de guerra. Assim sendo, além de pinicos, os utopianos confeccionavam correntes e outros objetos que seriam usados por escravos como forma de identificá-los em sua condição.
                  Em conseqüência disto, a Utopia é uma ilha imaginária, com característica de uma nação, onde os costumes, o governo, as ações dos cidadãos é rica e minunciosamente descrita pelo personagem principal, Rafael Hitlodeu, numa gradação de fatos e narrativas que envolvem o leitor em um cenário que parece perscrutar o desejo de todos os homens de viverem em igualdade. Um lugar onde a vaidade é desprezível e o coletivo sobrepõe-se ao individual, de maneira que não há pobres ou mendigos. Contudo, o aspecto espiritual percebe o espaço na crença em Mitra, o ser supremo, criador e onipotente, na vida após a morte e nos princípios de uma educação mediada pelos sacerdotes que ministrariam os saberes e as bases da formação virtuosa na primeira infância de maneira que, uma vez aprendidas, produziria frutos bons por toda a vida.





REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

MORE, Thomas. A Utopia. Trad. Luís de Andrade. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1997.




[1] A Utopia é um termo inventado por Thomas More que serviu de título a uma de suas obras escritas em latim por volta de 1516. Segundo a versão de vários historiadores, More se fascinou pelas narrações extraordinárias de Américo Vespucio sobre a recém avistada ilha de Fernando de Noronha, em 1503. More decidiu então escrever sobre um lugar novo e puro onde existiria uma sociedade perfeita. Isto significa dizer que o utopismo consiste na idéia de idealizar não apenas um lugar, mas uma vida, um futuro, ou qualquer outro tipo de coisa, numa visão fantasiosa e normalmente contrária ao mundo real. O utopismo é um modo absurdamente otimista de ver as coisas do jeito que gostaríamos que elas fossem.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

A NATUREZA DA LÓGICA DO JOGO DE XADREZ, DO CAFÉ E DO CUBO MÁGICO!



domingo, 30 de janeiro de 2011

KANT, O JUÍZO DE GOSTO COMO FUNDAMENTO SUBJETIVO DA ESTÉTICA: POR QUE RAZÃO PENSA KANT QUE O JUÍZO DE GOSTO ESTÉTICO É SUBJETIVO?

KANT, O JUÍZO DE GOSTO COMO FUNDAMENTO
SUBJETIVO DA ESTÉTICA: POR QUE RAZÃO PENSA KANT QUE O JUÍZO DE GOSTO ESTÉTICO É SUBJETIVO?

lucianoagra@hotmail.com[1]

Resumo: O artigo analisa o que é a estética na filosofia em Kant? De que falamos quando falamos de Estética? Muitas perguntas, muitas respostas.... Primeiramente o artigo expõe questões da releitura de Lyotard das meditações em Kant, com grande destaque para a idéia de que sem o juízo estético reflexionante o sistema das três Críticas, a saber, são o início da Lógica Transcendental, o Juízo reflexionante e o Juízo de gosto,  perderia o enfoque em torno da sua criticidade. Percebe-se que a incompatibilidade da estética com a razão teórico-instrumental não é sinal de sua fraqueza ou menoridade, frente ao conceito, e sim o indício de sua profundidade na expressão do que este não consegue atingir. Este artigo expõe os seguintes objetivos, a saber, compreender o significado filosófico do termo estética; caracterizar e discutir a noção de experiência estética; compreender o problema da justificação do juízo estético e tomar posição sobre as respostas subjectivista e objectivista ao problema da justificação do juízo estético. Concluímos que a estética revela-se como crítica da crítica, sem a qual não há razão possível alcançar a sua reflexão. Até o presente momento, utiliza-se neste artigo a palavra estética com considerável freqüência. Mas, afinal, o que vem a ser estética?

Palavras-Chave: Estética Moderna – Kant – Filosofia.

Abstract: The article analyzes the aesthetics in philosophy in Kant? We are talking about when we talk about Aesthetics? Many questions, many answers.... Firstly the article sets out issues of rereading of Lyotard of meditation on Kant, with great emphasis on the idea that without jus aesthetic reflexionante the system of three criticisms, namely, are the beginning of the logic Transcendental, Jus reflexionante and Judgment of taste], would lose the focus around its criticality. Perceives-that the incompatibility of aesthetics with the theoretical-instrumental reason is not a sign of its weakness or nonage, front of the concept, but rather the indication of its depth in the expression of that this cannot achieve. This article sets out the following objectives, namely, understand the meanings philosophical expiry aesthetics; characterize and to discuss the concept of experience aesthetics; understand the problem of the justification of judgment aesthetic and take a position on the answers subjectivista and objectivista the problem of the justification of judgment aesthetic. We concluded that the aesthetics shows-as criticism of criticism, without which there is no reason possible to achieve its reflection. Until this moment, uses-this Article the word aesthetics with considerable frequency. But, after all, that is to be aesthetics?

Key-words: Aesthetics Modern – Kant – Philosophy.

Résumé: L'article analyse les esthétique en philosophie en Kant? Nous parlons quand nous parlons de esthétique? Beaucoup de questions, de nombreuses réponses... Tout d'abord l'article énonce les questions de relecture de : de la méditation sur Kant, avec une grande importance à l'idée que, sans jus esthétique reflexionante le système de trois critiques, à savoir, sont le début de la logique transcendantale, Jus reflexionante et arrêt du goût], perdrait l'accent autour de son isc. Perçoit-que l'incompatibilité de l'esthétique avec le plan théorique-raison instrumentale n'est pas un signe de sa faiblesse ou nonage, devant le concept, mais plutôt l'indication de sa profondeur dans l'expression de que ce ne peut pas atteindre. Cet article énonce les objectifs suivants, à savoir, comprendre la signification philosophique expiration esthétique; caractériser et à discuter du concept de l'expérience esthétique; comprendre le problème de la justification de jugement esthétique et de prendre position sur les réponses subjectivista et objectivista le problème de la justification de jugement esthétique. Nous avons conclu que l'esthétique montre-comme une critique de critiques, sans lesquels il y a aucune raison possible de réaliser sa réflexion. Jusqu'à ce moment-là, utilise-cet article le mot esthétique avec une grande fréquence. Mais, après tout, c'est d'être esthétique?

Mots-clés: esthétique moderne – Kant – philosophie.

                 O termo estética vem da origem grega[αισθητική ou aisthésis], que significa percepção, sensação, ou seja a estética é um ramo da filosofia que tem por objeto o estudo da natureza do belo e dos fundamentos da arte. No que se segue, ela estuda o julgamento e a percepção do que é considerado belo, a produção das emoções pelos fenômenos estéticos, bem como as diferentes formas de arte e do trabalho artístico; a idéia de obra de arte e de criação; a relação entre matérias e formas nas artes. Por outro lado, a estética também pode ocupar-se da privação da beleza, ou seja, o que pode ser considerado feio, ou até mesmo ridículo. Como se pode perceber, a estética trabalha com a arte, em suas mais variadas formas, quais sejam, arquitetura, escultura, pintura, literatura [poesia e prosa], teatro, música [vocal e instrumental], dança, fotografia, cinema, em suas múltiplas possibilidades de expressão. Essas questões mencionadas acima que emergem para quem se aproxima da estética são abrangentes, polissêmicas, mas o que é arte? Em que consiste a arte? E qual é o seu propósito? O que é belo? O que caracteriza uma obra de arte como medíocre, boa ou genial? Como interpretar uma obra de arte de forma adequada? E quanto ao seu aspecto moral?
                 Este estudo procura discutir a relevância da abordagem do sistema kantiano a partir da primeira e da segunda Críticas, quando Kant põe ênfase na razão legisladora no âmbito da natureza e da moral, momento em que o mundo sensível é apenas subsumido às categorias do entendimento e às idéias da razão prática, de sorte que o singular só pode se manifestar como suporte da norma universal, preso, de um lado, à força de demonstração de hipóteses e, de outro, à força de realização de imperativos.
                  Em conseqüência disto Gerd Alberto Bornheim, argumentou que o século das Luzes inventou o mundo sensível, conduzindo-o à maioridade, mas isso foi na filosofia de Immanuel Kant (1724-1804), e é por isso que esse movimento histórico atingiu sua maior expressão, como é o caso o homo aestheticus e finalmente ele conquistou o seu lugar, ao lado da razão e do entendimento. É neste contexto que Bornheim disse que “[...] a estética conquista aos poucos a sua identidade específica e os seus altos lugares: sua medida situa-se então nada menos do que na reinvenção da realidade humana” (BORNHEIM, 1996, p. 75). Salvar esse momento sensível da filosofia de Kant significa indagar, interrogar o papel da estética em seu sistema, mas responder a essa questão é não somente expor a importância do estético na filosofia contemporânea, e sim a possibilidade da própria filosofia enquanto pensamento que se sente permanentemente a si mesmo, como parece indicar Kant, em sua primeira Crítica, no início da Lógica transcendental: O ponto de vista de Kant (1989) a respeito da natureza da lógica transcendental foi expresso de uma forma bastante sintética: “Pensamentos sem conteúdo são vazios; intuições sem conceito são cegas. Pelo que é tão necessário tornar sensíveis [...] as intuições [...] O entendimento nada pode intuir e os sentidos nada podem pensar.[...]” (KANT,1989, p. 89).
                  Procuraremos expor que, sem a reflexão estética o sistema kantiano perderia sua criticidade, mas relembremos o que diz Kant em sua introdução à terceira Crítica. Assim, a tradicional interpretação da Crítica do juízo tem se inspirado na escrita dessa introdução, no que se refere à acentuação do papel da teleologia e não da estética na tarefa de unificação da filosofia, partilhada nas duas primeiras Críticas entre a busca do conhecimento empírico dos objetos e a realização da liberdade sob a lei moral incondicional, independente da experiência. Tomamos, por exemplo, a interpretação de Louis Guillermit acerca da unidade das três Críticas. Partindo da afirmação de que o belo é reduzido ao estatuto de símbolo da moralidade, ou seja, afirma ele, ainda, que podemos:

[A] visão da natureza sob a espécie de uma organização de fins ordenados a um fim último, do qual a razão prática exige a possibilidade de realização sob o nome de ‘soberano bem’. Essa natureza prepara de algum modo o leito da liberdade: a beleza simboliza a ação desta última, pois libera da atração sensível e desperta o interesse pela moralidade[...] (GUILLERMIT, 1974, p. 32).


                  De acordo com Guilhermit, em sua dedução transcendental da faculdade de julgar, percebemos que ao tratar do sistema das faculdades superiores do conhecimento, enquanto fundamento da filosofia, Kant inclui justamente a faculdade de julgar, ao lado da razão e do entendimento. É interessante assinalar que a faculdade de julgar é definida como a faculdade da subsunção do particular sob o universal, a razão, como a faculdade da determinação do particular pelo universal, legisladora das leis da liberdade na Crítica da razão prática e o entendimento, como a faculdade legisladora das regras, das leis da natureza que permitem o conhecimento do universal no mundo fenomênico, objeto da Crítica da razão pura teórica.
                  Isto significa dizer que apesar do seu estatuto de faculdade superior, a faculdade de julgar não produz os conceitos, como o entendimento, nem idéias, como a razão. Assim, acredita-se que uma faculdade de conhecimento particular e sem autonomia, que opera a subsunção sob conceitos dados, provindos do entendimento. É importante perceber que a faculdade de julgar não funda nem um conhecimento teórico da natureza, nem um princípio prático da liberdade; ele pressupõe uma unidade formal das leis da natureza de acordo com os conceitos do entendimento. Essa unidade fornece um princípio para se operar a subsunção de experiências particulares sob as leis universais a priori, o que permite a vinculação sistemática dos dados empíricos, possibilitando uma leitura coerente do que, até então, se apresentava de forma contingente. Neste ponto,o discurso de Kant ilustra bem seus propósitos:

O [...] Juízo e próprio a ele é, pois o da natureza como arte, em outras palavras, o da técnica da natureza quanto a suas leis particulares, conceito este que não funda nenhuma teoria e, do mesmo modo que a lógica, não contém conhecimento dos objetos e de sua índole, mas somente dá um princípio para o prosseguimento segundo leis de experiência, pelas quais se torna possível a investigação da natureza. [...](KANT, 1980a, p. 172).


                   Este discurso revigora as definidas faculdades superiores do conhecimento, Kant apresenta, em seguida, as faculdades do conhecer segundo os tipos de relações existentes entre o sujeito e o objeto. Assim, quando o sujeito constrói representações que se referem ao objeto, está em ação a faculdade do conhecimento em sentido estrito; quando as representações são causa da efetividade do objeto, age no sujeito a faculdade de desejar; e quando, finalmente, essas representações referem-se ao sujeito, produzindo efeito positivo ou negativo sobre sua força vital, está em ato o sentimento de prazer ou desprazer. Estabelecidos os dois sistemas de faculdades, Kant, aplicando seu método transcendental, opera a relação de um com o outro, deduzindo os princípios a priori da faculdade de julgar, ao lado dos princípios a priori do entendimento puro e da razão pura, já deduzidos, respectivamente, nas duas primeiras Críticas. Enquanto o entendimento e a razão referem-se a objetos, o juízo refere-se exclusivamente ao sujeito, não produzindo nenhum conceito de objetos. Ainda discorrendo sobre isto, Kant argumentou que: “[...] o sentimento de prazer e desprazer é somente a receptividade de uma determinação do sujeito, de tal modo que, se o Juízo deve, em alguma parte, determinar algo por si mesmo [...]” (KANT, 1980a, p. 174).
                   Portanto, a pressuposição subjetivamente necessária de que a natureza, longe de ser um amontoado de leis empíricas ou de formas heterogêneas, é um sistema empírico, é o princípio transcendental da faculdade de julgar, uma vez que a idéia de ordem e coerência é apenas reguladora, sem a qual o ato de julgar torna-se impossível. Além de simplesmente subsumir o particular sob o universal, cujo conceito já esteja dado, o juízo pode fazer o percurso contrário, isto é, encontrar para os dados empíricos singulares uma lei natural pressuposta a priori. Isso, só o Juízo pode fazê-lo. Para Kant, o discurso do juízo:

[...] Nem o entendimento nem razão podem fundar a priori tal lei natural. [...] ela é uma mera pressuposição do Juízo, em função de seu próprio uso, para remontar do empírico-particular cada vez mais ao mais universal igualmente empírico, em vista da unificação de leis empíricas. (KANT, 1980a, p. 175-176).


                  Nesta citação acima, Immanuel Kant se esmiúça sobre o estudo do juízo reflexionante em sua natureza própria, que é a de refletir, ou seja, analisar e sustentar juntas determinadas representações com o intuito de viabilizar conceitos. Estamos no domínio do juízo reflexionante ou da faculdade de julgamento propriamente dita; seu princípio transcendental é o que permite considerar, a priori, a natureza como um sistema lógico; é o princípio por meio do qual a natureza especifica a si mesma: “A natureza especifica suas leis universais em empíricas, em conformidade com a forma de um sistema lógico, em função do Juízo” (KANT, 1980a, p. 179). De acordo com as colocações da autor, pode-se afirmar que na verdade, temos discorrido sobre uma pressuposta finalidade da natureza, ou seja, de um fim não posto no objeto, mas no sujeito, no uso de sua faculdade de refletir. Nesse sentido, o juízo é uma técnica que fornece finalidades à priori à natureza, rejeitando-a enquanto diversidade sem fundamento unificador.
                 Vejamos em que consiste essa técnica no âmbito da faculdade de conhecimento em seu sentido estrito. Do mesmo modo, ela realiza três ações diante de cada conceito empírico: a imaginação é responsável pela apreensão do diverso das representações singulares que se apresentam na intuição; o entendimento, pela compreensão, ou seja, pela unidade sintética da consciência desse diverso no conceito de um objeto; e o juízo, pela exposição do objeto correspondente a esse conceito na intuição. Nesse caso, por se tratar de um conceito empírico, o juízo assume papel determinante.
                 No entanto, se a forma de um objeto dado na intuição for capaz de provocar que a sua apreensão na imaginação coincida com a exposição de um conceito do entendimento, de modo a não ser possível determinar-se qual seja esse conceito, estaremos diante de um acordo mútuo dessas faculdades no ato de uma operação reflexionante em que a finalidade do objeto é percebida subjetivamente, não sendo requerido nenhum conceito determinado dele. Aqui, o juízo não é de conhecimento, mas um juízo de reflexão estética (KANT, 1980a, p. 182). De outra parte, há um tipo de juízo reflexionante sobre a finalidade objetiva da natureza que Kant considera como um juízo de conhecimento, embora não determinante: é o juízo teleológico. Definidos os dois tipos de juízo reflexionante [estético e teleológico], Kant passará a abordá-los separadamente. Estética, na primeira Crítica, significa a apreensão dos dados sensíveis nas formas a priori do espaço e do tempo, formas puras de nossa intuição.
                  Nesse sentido, entendemos que a estética apresenta-se como faculdade passiva da sensibilidade, a serviço do entendimento legislador, na terceira Crítica ganha estatuto ativo. Assim, na Crítica do juízo, Kant diz o seguinte: “Pela denominação de um Juízo estético sobre um objeto, está indicado [...] que uma representação dada é referida, por certo, a um objeto, mas, no Juízo não é entendida a determinação do objeto, mas sim a do sujeito e de seu sentimento” (KANT, 1980a, p. 184).
                  Como se vê, Kant subdivide o juízo estético em juízo de sentido estético e em juízo estético universal. O primeiro exprime a referência de uma representação imediatamente ao sentimento de prazer; o segundo contém as condições subjetivas para um conhecimento em geral e tem a sensação subjetiva de prazer ou desprazer como o fundamento de sua determinação. Desses juízos não se pode predicar nenhum conceito do objeto, pois não pertencem à faculdade de conhecimento. O juízo estético possui autonomia subjetiva. Sua pretensão à validade universal legitima-se em seus princípios a priori. Kant designa essa autonomia de heautonomia e ele frisou o seguinte: “[...] o Juízo dá não à natureza, nem à liberdade, mas exclusivamente a si mesmo a lei, e não é uma faculdade de produzir conceitos de objetos, mas somente de comparar, com os que lhes são dados de outra parte[...]” (KANT, 1980a, p. 185).
                  Tratemos agora do julgamento teleológico, o segundo tipo de juízo reflexionante. Kant o define como o juízo sobre a finalidade em coisas da natureza ou, se quisermos, um juízo sobre os fins naturais (KANT, 1980a, p. 190). O conceito dos fins naturais é exclusivo do juízo teleológico reflexionante, que o utiliza para ocupar-se da vinculação causal no mundo fenomênico. Esse juízo pressupõe um conceito do objeto e julga sobre sua possibilidade segundo uma lei da vinculação das causas e efeitos. Há, então, uma ‘técnica orgânica’ da natureza que fornece a finalidade das coisas, uma finalidade objetiva para um juízo objetivo (KANT, 1980a, p. 191). O julgamento teleológico estabelece um fio condutor entre a natureza e a razão, entre o sensível e o inteligível, uma vez que o conceito dos fins naturais assenta-se no acordo da razão com o entendimento. Enquanto o juízo reflexionante estético é o único que tem seu fundamento de determinação em si mesmo, sem unir-se à outra faculdade de conhecimento, o juízo teleológico só pode ser emitido por meio da vinculação da razão a conceitos empíricos (KANT, 1980a, p. 198). O fim natural deriva das idéias da razão, ao mesmo tempo que tem um objeto dado.
                  Apesar da ênfase do juízo de gosto que essa “Introdução” dedicou à Teleologia de tal é a sua objetividade, reservando à estética o estatuto de uma faculdade particular que opera sem conceitos, o filósofo francês Jean-François Lyotard resgatou a importância do julgamento estético, considerando-o o modo de proceder do pensamento crítico em geral. Este deve observar uma pausa, uma suspensão da investigação, entrando em estado reflexivo, colocando-se à escuta dos sentimentos de prazer e de desprazer, que é o que orienta o exame crítico. Mas como Lyotard pode rejeitar o caráter teleológico exposto na estética de Kant? Em que consiste o seu argumento para desviar a interpretação desse objetivo? Ora, para Lyotard, os sentimentos de prazer e desprazer são o princípio subjetivo de diferenciação da reflexão estética na ausência de todo princípio objetivo do conhecimento e fora do campo de influência de inúmeras, seja, teórica ou prática. É nesse contexto que Lyotard disse que: “[...] a terceira Crítica pode cumprir sua missão de unificação do campo filosófico, não é principalmente porque expõe no seu tema a idéia reguladora de uma finalidade objetiva da natureza[...]” (LYOTARD, 1993, p.15).
                  O autor esclarece que nessa perspectiva, a sensação é que informa o espírito sobre seu estado, realizando julgamento imediato do pensamento sobre si mesmo; este julgasse bem ou mal durante sua atividade. “O afeto é como o ressoar interior do ato, sua ‘reflexão’” (LYOTARD, 1993, p. 17). Herman Cohen (1842-1918), da Escola de Marburgo (1871-1933) interpreta a Crítica da razão pura de modo a ressaltar o conceito, a objetividade, o triunfo do pensamento puro sobre a intuição. Philonenko notou que:

Cohen [...] se separa de Kant ao conferir à filosofia transcendental, como ponto de partida, não a intuição pura, mas o pensamento puro. A filosofia [para Cohen] deve se constituir originalmente como lógica transcendental e não se apoiar sobre a estética transcendental (PHILONENKO, 1974, p. 198-199).

                  Em contraposição a essa interpretação de Cohen, para Lyotard, pensar criticamente é afetar-se, é deixar-se orientar pelos sentimentos de prazer e desprazer antes de se fazer qualquer inferência acerca da verdade e falsidade de um determinado conhecimento ou do justo e injusto de determinadas ações. É a partir disto que reside à condição subjetiva de toda objetividade. Para Philonenko o juízo estético legisla sobre si mesmo, sendo ao mesmo tempo a lei e o objeto, a forma e o conteúdo, independentemente da razão e do entendimento, que possibilitam todo juízo de conhecimento e quando a razão e o conhecimento intervêm, o juízo deixa de ser reflexionante, assumindo papel determinante na esquematização dos conceitos.
                  No entendimento de Lyotard denomina essa característica da reflexão estética de tautegoria, e é ela que prepara o advento crítico das categorias do entendimento. Neste sentido podemos destacar com efeito, na primeira Crítica, a Lógica Transcendental é precedida pela Estética Transcendental, compondo, ambas, a Doutrina Transcendental dos Elementos. Conseqüentemente vemos que após concluir, na Estética Transcendental, que os juízos sintéticos a priori nunca podem ultrapassar os objetos dos sentidos, Kant reafirmou que na Dedução transcendental dos conceitos puros do entendimento. Kant, assim declarou: “[...] toda a intuição possível para nós é sensível (estética) e, assim, o pensamento de um objeto em geral só pode converter-se em nós num conhecimento, por meio de um conceito puro do entendimento[...]”(KANT, 1989, p. 145-146).
                  Este posicionamento, o juízo de gosto é formal e, apesar de subjetivo, é universal e necessário: a forma deve agradar a todos. Mas não se trata aqui de um imperativo categórico, incondicional, objetivo, como estabelecido na segunda Crítica; estamos diante de uma universalidade mediata, subjetiva. Nesse sentido, o juízo sobre o belo não é determinante ou fundado numa norma abstrata e antecipatória do mundo do ser; é, por assim dizer, o juízo da espera e da promessa, pois não pode impor seus veredictos, cingindo-se a partilhar seus julgamentos a partir do exemplo, do fenômeno particular, na esperança de que a comunidade dê o assentimento à sua crítica.
                   Pode-se dizer que o juízo de gosto promete validade universal com base em julgamento exemplar, sendo a necessidade expressa a partir do exemplo e a universalidade na promessa da partilha da crítica. Eis os monstros lógicos produzidos pela tópica reflexiva, que, segundo Lyotard, apoiado na leitura do Apêndice da Analítica da primeira Crítica – Da anfibolia dos conceitos da reflexão, resultante da confusão do uso empírico do entendimento com o seu uso transcendental, são modos subjetivos de síntese, provisórios, preparatórios às categorias. A distorção resulta da pretensão ao universal e ao necessário de
um juízo singular, refletido e reflexivo.
                  É importante destacar, que essa pretensão, o senso comum estético, no entanto, será legítima na presença de um princípio subjetivo, um senso comum que seja o efeito do livre jogo das faculdades de conhecer. É então, aqui que se destaca o entendimento e imaginação, com efeito, que concordam entre si, harmonizam-se diante do julgamento estético dos objetos. Vêem-se, então, que o senso comum engendrado nesse acordo a priori das faculdades é que torna possível o sentimento do prazer estético, mas se os julgamentos de gosto possuíssem um princípio objetivo determinado, aquele que os pronunciasse segundo este princípio pretenderia para seu julgamento uma necessidade incondicionada e se fossem desprovidos de todo princípio, como os julgamentos do simples gosto dos sentidos, não se teria nunca a idéia de que pudessem ter a menor necessidade e é por isso, precisam ter um princípio subjetivo que determine unicamente por sentimento, não por conceitos, mas de uma maneira universalmente válida, o que apraz ou não apraz.
                  Contudo, Pretendo desencorajar uma leitura sociológica ou antropológica desse senso comum, afirma Lyotard que o prazer do belo somente traz em si uma promessa de felicidade a ser partilhada, a partir do exemplo singular de realização dessa felicidade em um indivíduo qualquer. Diante das belas formas da natureza da arte, sentimos um prazer que prometemos aos outros, embora jamais possamos comprovar se de fato houve a partilha de nosso sentimento, isso porque o juízo de gosto não é determinante. Com o intuito de estender que se ele exige uma partilha, é porque expressa o sentimento de uma harmonia possível das faculdades de conhecimento, independentemente do conhecimento.
                  Para Lyotard, no entanto, o senso comum estético não é mais que a harmoniosa proporção entre entendimento e imaginação, diante do desafio de se apropriarem da forma do objeto, fonte do prazer, um jogo livre das faculdades de conhecimento, curto circuitando as imposições do conhecimento e da moralidade. Outro aspecto importante neste item, e que, o senso comum estético expressa um acordo subjetivo das faculdades de conhecimento e não somente um acordo objetivo entre os sujeitos. Desta forma Kant colocou que esta validade universal não deve se apoiar na recoleção de opiniões, nem na investigação sobre o que os outros ressentem, mas deve se fundar, por assim dizer, sobre a autonomia do sujeito que julga a partir do sentimento de prazer, não devendo se restringir dos conceitos.
                  Cabe, ainda, ressaltar que não é possível uma leitura sociológica ou antropológica desse senso comum. Ademais, para Lyotard, a união das faculdades de conhecimento só ocorre cada vez que o prazer do gosto é sentido; acontece aqui e agora, de modo singular e imprevisível. Assim, a matriz espaço-temporal-estética é o aqui e o agora. Dela é que surge a promessa de um sujeito que – diferentemente do sujeito formal da primeira e segunda Criticas - se encontrará nascendo a cada vez que existir o prazer do belo; todavia, não permanecerá nascente, pois o tempo estético não possui passado, nem futuro que possa escorar uma identidade do sujeito. Encontramos, aqui também, que o mesmo se pode dizer do sentimento do sublime; no ato do confronto entre a razão e a imaginação, esta se descobre impotente para apreender os dados sucessivamente, em virtude da natureza do objeto não-apresentável, a liberdade, que ela se esforçará por apresentar. Quanto a este último ponto, Lyotard argumentou que:

O gosto promete a cada um a felicidade de uma unidade subjetiva cumprida, o sublime anuncia a alguns uma outra unidade, menos completa, naufragada de certo modo e mais ‘nobre, edel’. [...] O sentimento estético na singularidade de sua ocorrência é o subjetivo puro do pensamento, isto é, o Juízo refletido em si mesmo (LYOTARD, 1993, p. 30).


                  Pode-se afirmar contudo, a maneira reflexiva de pensar não é somente acompanha por todos os atos do pensamento, mas ela guia-os, por intermédio de uma tópica pré-conceitual, em direção à sensibilidade ou ao entendimento. É esse o seu traço heurístico, que a transforma no laboratório subjetivo de todas as objetividades. É interessante também notar que essa tópica opera por meio de comparações das representações que precedem o conceito das coisas, e é essas comparações, de acordo com o Apêndice da analítica dos princípios da primeira Crítica, são feitas a quatro títulos, quais sejam: identidade e diversidade; conveniência e inconveniência; interno e externo; determinável e determinação. Porém, esses títulos são subjetivos, isto é, as relações de representações engendradas por eles ocupam imediatamente lugares num estado de espírito, até que sejam referidas a uma faculdade, entendimento ou sensibilidade. É nesse ponto que essas relações, que indicam modos espontâneos de síntese, até então localizadas de modo provisório e preparatório, são definitivamente domiciliadas e legitimadas a operar objetivamente no plano das formas ou categorias.
                  Kant denominou os títulos de conceitos de reflexão, em razão de sua capacidade de transformar seus lugares imediatos em autênticos lugares transcendentais, condições de possibilidade das sínteses. O aspecto heurístico da reflexão pode percebê-lo com clareza nas duas seguintes definições de Kant para o termo reflexão, a saber, sendo que o estado de espírito no qual nos preparamos primeiro para descobrir as condições subjetivas que nos permitam chegar a conceitos, ou seja, a consciência da relação de representações dadas às nossas diferentes fontes de conhecimento. Segundo Lyotard, Kant utiliza, geralmente, o termo consciência no sentido de reflexão. Assim, o pensamento está consciente enquanto sente. Logo, descoberta e consciência são dois termos-chave para entendermos porque a maneira reflexiva de pensar é o ponto nevrálgico do pensamento crítico. Sobre este pensamento crítico Lyotard destacou o seguinte: “[...] a reflexão, o pensamento parece bem dispor da arma crítica inteira. Porque a reflexão é o nome que porta na filosofia crítica a possibilidade desta filosofia.[...] isto é, a legitimidade, de um juízo sintético a priori[...]” (LYOTARD, 1993, p. 35).
                 Além disso, Lyotard acredita que a função tautegórica para que se atinja essa legitimidade, é necessário que se recorra a juízos sintéticos de discriminação. Em outras palavras a existência desses juízos só é possível em razão do aspecto tautegórico da reflexão, isto é, aquilo que o pensamento se sente enquanto pensa, julga, sintetiza.  Assim, o autor defende que tais juízos são primeiramente reflexos de reuniões espontâneas de representações, comparações fluidas pré-criadas, sentidas, ainda não domiciliadas, agrupadas sob títulos subjetivos, que a reflexão poderá legitimar ou deslegitimar, realizando ou não a passagem para a objetividade das sínteses provisórias. Como pode ser observado no seguinte fragmento:

O pensamento crítico dispõe, na sua reflexão, [...] de uma espécie de pré-lógica transcendental. [...] uma estética, posto que é feita só da sensação que afeta todo pensamento atual enquanto é simplesmente pensado, o pensamento se sentindo pensar e se sentindo pensado, juntamente. [...](LYOTARD, 1993, p. 36).


                  A partir do fragmento supracitado, é possível verificar, que se no âmbito das categorias do entendimento ou das formas da intuição a reflexão preenche uma função predominantemente heurística, legitimadora dos lugares transcendentais que contêm as condições a priori do conhecimento, à medida que o pensamento crítico afasta-se desses lugares seguros, o aspecto tautegórico da reflexão passa a manifestar-se mais intensamente, a ponto de, nos juízos estéticos, predominar sobre a função heurística. Aqui, a sensação não prepara o pensamento para nenhum conhecimento possível; ela é, por si mesma, a totalidade do gosto e do sentimento sublime. Ao revelar sua função heurística, a reflexão é estética no sentido da primeira Crítica, ou seja, é o modo de apreensão dos dados da intuição sensível nas formas a priori do espaço e do tempo. A sensação cumpre, nesse plano, papel legitimador das condições de possibilidade de um conhecimento objetivo em geral, possuindo uma finalidade cognitiva de oferecer informações espontâneas sobre o objeto, por meio dos títulos ou conceitos de reflexão.
                  Por outro lado, em sua função tautegórica, a reflexão é estética no sentido da terceira Crítica, ou seja, como sentimentos de prazer e de desprazer, nos quais a sensação é voltada para informar o espírito sobre seu estado afetivo, momento em que a finalidade cognitiva deixa de ser preponderante. O pensamento torna-se juiz de si mesmo, por isso, crítico; crítico e desinteressado em conceder qualquer informação sobre o objeto, educado para resistir, por assim dizer, às pressões identificadoras. A reflexão manifesta-se em seu estado puro, imune a quaisquer determinações das outras faculdades de conhecimento em geral. O juízo é que se mostrará como faculdade emancipada, heautônoma, isto é, portadora de autonomia subjetiva. Esse é o juízo reflexionante estético, que possui o seu próprio princípio a priori, transcendental, que pressupõe uma finalidade da natureza com base no sujeito e não no objeto.
                  A reflexão no campo teórico está presente em todos os campos do pensamento; ela é o ingrediente que o torna crítico. No campo teórico, as categorias do entendimento não bastam para orientar o pensamento. É preciso que a transcendentalidade teórica seja legitimada, tomando-se por base o empírico, as sensações. Estas se agrupam em títulos reflexivos, de modo provisório e subjetivo, funcionando como princípio de diferenciação das sínteses de representações. As sínteses que forem legitimadas para se legislar no campo teórico serão domiciliadas no entendimento. Nem todos os conceitos de reflexão e títulos são conceitos do entendimento, legitimados a operar objetivamente. Para Lyotard:


A reflexão é bem discriminatória, ou crítica, porque se opõe à extensão inconsiderada do conceito fora do seu campo próprio. Domicilia as sínteses com as faculdades, ou, o que dá no mesmo, determina estes transcendentais que são as faculdades pela comparação das sínteses que cada uma pode efetuar aparentemente sobre os mesmos objetos (LYOTARD, 1993, p. 41).


                   Pela definição acima, pode-se compreender que a reflexão no campo prático não é diferente o papel que a reflexão exerce. Assim, acredita-se que o uso da categoria da causalidade no campo da moralidade sofre a devida restrição, uma vez que o ato moral não deve ser efeito de causa natural. É possível perceber que a liberdade é causa de si mesma, sendo causa incondicional, sem conteúdo, e é por isso que essa idéia de causalidade é legitimada a operar no campo da razão e é por intermédio da reflexão que é realizada essa discriminação, esse domiciliamento. Na moralidade, o pensamento também é advertido imediatamente de seu estado, graças ao único sentimento moral, que é o respeito, único título de uma síntese subjetiva que corresponde às exigências de uma legalidade formal. Como argumentou Kant, o sentimento moral é o “[...] efeito subjetivo que a lei exerce sobre a vontade e do qual só a razão fornece os princípios objetivos” (KANT, 1980b, p. 160). Estamos perante uma região reflexiva, legitimada criticamente a legislar no campo da moralidade. Segundo Lyotard: “[...]A moralidade sendo pensada como obrigação pura, a Achtung é o seu sentimento. Eis a pura tautegoria do sentimento, que lhe confere seu valor heurístico.[...]” (LYOTARD, 1993, p. 43).
                  Por fim, a reflexão no campo estético, este “modo conseqüente de pensar” (LYOTARD, 1993, p. 44) apresenta-se plenamente tautegórico, isento de toda tarefa. Mas como legitimar o uso do juízo reflexionante se a própria reflexão se encontra desprovida de uma heurística, visto que a faculdade de julgar é desinteressada? Ora, se o sentimento estético puro não detém os meios de construir as condições a priori de sua possibilidade, por ser imediato e desvinculado da natureza e da liberdade, os papéis invertem-se. O pensamento empreende a heurística da reflexão por meio das categorias, que servem de princípios de discriminação para orientá-lo no âmbito do sentimento estético puro. O preço dessa inversão é a deformação das categorias em virtude do gosto. Lyotard denomina de anamnese essa interferência do teorético no estético. A lógica dá lugar a uma analógica no momento em que as sensações se desinteressam em fornecer quaisquer informações sobre os objetos, referindo-se apenas ao espírito. Lyotard traz uma valiosa reflexão sobre a linguagem: “[...] as categorias podem e devem ser empregadas assim para domiciliar as condições a priori do gosto, o domicílio buscado não é o entendimento [...] E também não a razão, mesmo no sublime.[...]” (LYOTARD, 1993, p. 48).
                  A esse respeito, Lyotard comentou que apesar da mediação das categorias na constituição da legitimidade do juízo reflexionante, elas não exercem seu efeito determinante no campo estético. Os efeitos colocados em ação são distorcidos, manobrados pela reflexão, gerando, assim, monstros lógicos, tais como necessidade exemplar ou universalidade subjetiva, exigências do gosto que busca ser partilhado; esses monstros lógicos são análogos à necessidade e à universalidade objetivas, presentes no entendimento. Estamos, pois, numa situação aporética, caracterizada pela impossibilidade de a razão teórica apresentar respostas eficazes à peculiaridade do estético.
                  Concluímos que essa interpretação de Lyotard abre novos caminhos para as ciências humanas, convidando-as a refazer criticamente a arqueologia de seus conceitos, sem descuidar dessa vez da estética [aesthésis], o incontornável momento sensível da razão. O retorno da razão sensível exige, por assim dizer, revolução copernicana das categorias normativas, principalmente naqueles saberes em que a idéia de norma é enfática, como no domínio da moral e do direito. Nesse passo, a leitura de Lyotard, na linha das investigações de Platão, Aristóteles, Alexander Baumgarten, Immanuel Kant, Hegel, Benjamin, Gadamer, Theodor Adorno, Lukács, Luigi Pareyson, Remo Bodei, Schopenhauer, Nietzsche, Heidegger e Adorno, reabre a possibilidade de um diálogo respeitoso entre os homens, na medida em que estes recuperam a capacidade de relacionar-se com as coisas, sem destruí-las. Defendendo a postura de Kant, Lyotard comentou que no contexto atual da filosofia de Kant está diretamente relacionada com a releitura de seu sistema a partir da terceira Crítica, sem o que a expressão da dor do particular, nas figuras da História e do mundo sensível, poderá continuar em eterno compasso de espera das condições de sua possibilidade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA

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GUILLERMIT, L. Kant e a filosofia crítica. In: CHÂTELET, F. (Org.). História da filosofia: idéias, doutrinas: a filosofia e a história. Rio de Janeiro: Zahar, 1974. p. 30-41.
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KANT, I. Crítica da razão pura. 2. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1989.

LYOTARD, J. Lições sobre a analítica do sublime. São Paulo: Papirus, 1993.

PHILONENKO, A. A Escola de Marburgo. In: COHEN, H.; NARTOP, P.; CASSIRER, E. (Ed.). História da filosofia: idéias, doutrinas: a filosofia do mundo científico e industrial. Rio de Janeiro: Zahar, 1974. p. 190-204.


[1] Graduado em Licenciatura Plena em História pela Universidade Estadual da Paraíba [UEPB] e Graduando em Licenciatura Plena em Filosofia pela Universidade Estadual da Paraíba [UEPB].

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE MICHEL FOUCAULT: UMA TRAJETÓRIA HISTORIOGRÁFICA.

ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE MICHEL FOUCAULT:
UMA TRAJETÓRIA HISTORIOGRÁFICA.

Luciano Bezerra Agra Filho[1]


Resumo: O que são relações de poder? O que é o projeto arqueo-genealógico? O que é o saber? Muitas Perguntas, muitas respostas... Este artigo pretende analisar algumas reflexões do filósofo e estruturalista Michel Foucault, que sempre esteve engajado em um trabalho crítico da atualidade, buscando rupturas, tematizando problemas específicos, e enfatizando principalmente as práticas sociais ancoradas em mecanismos de poder que dão origem a problemáticas modernas e atuais. O seu objetivo é focalizar as práticas no nível do conjunto de saberes, sexo e idéias de uma época que como uma rede de formações discursivas faz uso de múltiplas relações de poder. Com objetivos prévios, sua análise remete-se para um sentido ético, é direcionado a comportamentos, práticas (conflitos, lutas), ou seja, procura estabelecer o que de fato os discursos produzem de práticas em um regime de verdade específico. Sendo assim, Foucault não direciona seus estudos, questionamentos e refutações visando à construção de uma teoria do conhecimento (saber limitado em idéias), mas, em uma critica construtiva da realidade existente e acumulada nos discursos.

Palavras – Chave: Michel Foucault – O saber historiográfico -  Filosofia das Idéias – Poder - Disciplina



SOME REFLECTIONS ON MICHEL FOUCAULT:
A TRAJECTORY HISTORIOGRAPHICAL.


ABSTRACT: The article intends to analyze some reflections of the philosopher and structuralist Michel Foucault, that always it was engaged in a critical work of the present time, searching ruptures, systematize specific problems, and mainly emphasizing practical the social ones anchored in mechanisms of being able that they give to origin the problematic current modern and. Its objective is to focus the practical ones in the level of the set to know and ideas of a time that I eat a net of address formations make use of multiple relations of being able. With previous objectives, its analysis is sent for an ethical direction, is directed the behaviors, practical (conflicts, fights), that is, looks for to establish what in fact the speeches produce of practical in a specific regimen of truth. Being thus, Foucault does not direct its studies, questionings and refutations aiming at to the construction of a theory of the knowledge (to know limited in ideas), but, in one criticize constructive of the existing and accumulated reality in the speeches.

Key words: Michel Foucault - historiography -  philosophical - culture – Ideas.






QUELQUES REFLEXIONS SUR MICHEL FOUCAULT: UNE HISTORIOGRAPHIE HISTOIRE.


Résumé: Quelles sont les relations de pouvoir? Quel est le projet archéo-pedigree? Qu'est-ce que la connaissance? Beaucoup de questions, beaucoup de réponses ... Cet article analyse quelques réflexions du philosophe Michel Foucault et le structuralisme, qui a toujours été engagée dans un travail critique aujourd'hui, à la recherche de pauses, thématisant des problèmes spécifiques, principalement en soulignant les pratiques sociales ancrées dans les mécanismes de pouvoir qui donnent lieu à des questions modernes et actuelles . Son objectif est de se concentrer sur le plan pratique l'ensemble des connaissances, le sexe et les idées d'une époque comme un réseau de formations discursives fait usage de relations de pouvoir multiples. Avec des objectifs précédents, leur analyse se réfère à un sens éthique, est chargé de conduire, les pratiques (les conflits, les combats), ou cherche à établir ce que produisent les discours de la pratique dans un régime spécifique de la vérité. Ainsi, Foucault ne dirige pas ses études, questions et objections en vue de construire une théorie de la connaissance (la connaissance limitée sur les idées), mais dans une critique constructive de la réalité existante et accumulés dans les discours.

Mots - clés: Michel Foucault - Le historiographique savoir - la philosophie des Idées - Power - Discipline


A ANALÍTICA DO PODER VERSUS TEORIA DO PODER


                  O autor rejeita urgentemente a imagem do poder como simplesmente opressor negador do sexo, este uma força selvagem, a ser domesticada. Ele quer compreender como o poder e o desejo que circulam. É essa imagem do poder que representa, simboliza como repressor da liberdade, permite-nos, segundo o autor, aceitar a sua vigência, pois o alcance do poder é muito maior. É evidente que o discurso jurídico e as leis não mais simbolizam o poder de maneira mais abrangente, polissêmica, complexa, ampla e assim sucessivamente, mas estes discursos ultrapassam os seus limites a partir do século XVIII, criando novas tecnologias de dominação. Nós somos controlados e normatizados por múltiplos processos de poder. Outro ponto importante trata-se sobre a questão da biopolítica, ou seja, pode-se dizer que ela é um fenômeno caracteristicamente moderno, pois sua constituição segundo Foucault começou a se estruturar a partir do século XVIII, através de dois fatores. Primeiramente podemos perceber que foi o adestramento e a docilização do corpo humano através de um controle econômico e por último se deu quando a ciência passou a conhecer os processos biológicos no ser humano e em conjunto com o governo passou a estudar e desenvolver políticas normativas de intervenção. Em conseqüência disto, a biopolítica, portanto, passou a interferir sobre o corpo e outras condições de vida do povo. Michel Foucault em seu livro “História da Sexualidade I: a vontade de saber” apresenta uma nova concepção de poder, Foucault diz que essa visão do poder também é vital para uma história da sexualidade.

"Dizendo poder, não quero significar 'o poder', como um conjunto de instituições e aparelhos garantidores da sujeição dos cidadãos em um estado determinado. Também não entendo poder como um modo de sujeição que, por oposição à violência, tenha a forma de regra. Enfim, não o entendo como um sistema geral de dominação exercida por um elemento ou grupo sobre o outro e cujos efeitos, por derivações sucessivas, atravessem o corpo social inteiro. A análise em termos de poder não deve postular, como dados iniciais, a soberania do Estado, a forma da lei ou a unidade global de uma dominação; estas são apenas e, antes de mais nada, suas formas terminais. Parece-me que se deve compreender o poder, primeiro, como a multiplicidade de correlações de forças imanentes ao domínio onde se exercem e constitutivas de sua organização; o jogo que, através de lutas e afrontamentos incessantes as transforma, reforça, inverte; os apoios que tais correlações de força encontram umas nas outras, formando cadeias ou sistemas ou ao contrário, as defasagens e contradições que as isolam entre si; enfim, as estratégias em que se originam e cujo esboço geral ou cristalização institucional toma corpo nos aparelhos estatais, na formulação da lei, nas hegemonias sociais." (FOUCAULT, 1993, p. 88-89).

                     É neste fragmento que propõe um desafio que é a analítica do poder. E a análise genealógica do poder, produz de certa maneira uma diferenciação com relação à ciência política, rompe com a concepção clássica de poder, a qual considera um tanto limitativa, pois na teoria clássica jurídica, o poder era considerado como algo que se pudesse possuir (bem), cuja ação é fundadora do direito, e obedece a uma ordem contratual.                     Para Michel Foucault, o poder não é necessariamente criado pelo Estado, não é somente uma manifestação do aparelho estatal. É interessante observar que a questão que nos interessa realmente diz respeito às relações de poder que não se constituem como objetos, como espaços, que não pertencem a ninguém, ou seja, ninguém pode ter poder. É importante considerar que o poder é uma relação que permeia toda a sociedade global e esse é o dado importante, pois ele não pode ser dissecado, sendo a característica mais polêmica e rica desse autor.

Realidades distintas, mecanismos heterogêneos, esses dois tipos específicos de poder se articulam e obedecem a um sistema de subordinação que não pode ser traçado sem que leve em consideração a situação concreta e o tipo singular de intervenção. O importante é que as análises indicaram claramente que os poderes periféricos e moleculares não foram confiscados e absorvidos pelo Estado. Não são necessariamente criados pelo Estado, nem, se nasceram fora dele, foram inevitavelmente reduzidas a uma forma ou manifestação do aparelho central. Os poderes se exercem em níveis variados e em pontos diferentes da rede social e neste complexo os micro-poderes existem integrados ou não a o Estado, distinção que não parece, até então, ter sido relevante ou decisivo para a sua análise. (FOUCAULT, 1979, p. XII).    


                  Percebe-se por essa leitura acima, que Michel Foucault não exclui o poder do Estado das relações de poder coexistente no meio social, mas, contesta a hipótese de que o Estado seria o órgão central e único de poder, e ainda que a rede de poderes existentes na sociedade moderna estaria interligados ou corresponderia a resultados de extensão do estado. Contrariamente, Foucault acredita que o poder não pode ser localizado em uma instituição ou no Estado (aparelho central e exclusivo de poder). Tomando como exemplo a concepção marxista do poder segundo Foucault se trata de funcionalidade econômica do poder, tendo o papel de manter e reproduzir a dominação de classe, assim como as condições básicas da produção. A crítica foucautiana consiste justamente nessa metodologia marxiana e marxista a concepção economista, à medida que abordar o poder como uma superestrutura da economia, tratando, assim, o poder como posse e não como um exercício. Contudo, entende-se que Foucault não acredita na existência de uma relação dual de poder (estrutura binária de poder caracterizada por uma relação entre classe dominante e dominada), mas enfatiza a existência de uma luta constante e silenciosa entre poder e resistência, pois considera que todas as classes sociais são submetidas às relações de poder.
                  Na realidade o que Foucault quer demonstrar é que não são estruturas sociais que determinam as relações de poder, mas são as micros relações de poder, que acabam constituindo estruturas sociais. De maneira geral, o poder para Foucault não é um objeto, uma coisa ou uma propriedade de que alguns seriam possuidores em detrimento de outros, ou seja, não existe uma dualidade entre uma classe social que seria dominante e que, por sua vez, deteria o poder, e uma classe social dominada. O poder para o autor é uma prática social constituída historicamente. Assim, o poder não é algo que possa ser possuído, mas sim exercido e todo sujeito encontra-se na possibilidade de exercê-lo.
                  Foucault analisa a formação histórica das classes das sociedades capitalistas identifica a sociedade institucionalizada, inclusive à constituição do dispositivo da sexualidade, percebendo uma sinonímia entre o Estado e o poder. Mas existem formas de exercício de poder distintas do Estado, podendo até articular-se em favor do mesmo. A mecânica de poder transformar-se em técnicas de dominação. Este poder atinge a realidade dos indivíduos por meio de controle dos corpos e adentra na vida cotidiana. Foucault realiza uma “uma investigação dos procedimentos técnicos de poder que realizam um controle detalhado, minucioso dos corpos-gestos, atitudes e discursos.” (FOUCAULT, 1979, p. XII). Ao longo de toda a história do ocidente as análises políticas do poder apresentam uma visão inteiramente negativa, “com respeito ao sexo, o poder jamais estabelece relação que não seja de modo negativo: rejeição, exclusão, recusa, [...] ocultação e mascaramento.” (FOUCAULT, 1985, p. 81). O poder seria aquele que rege por meio de imposição de regras, “aquilo que dita lei, no diz respeito ao sexo [...][reduzindo-o] a regime binário: lícito, permitido e proibido.” (FOUCAULT, 1985, p. 81) E opera segundo a lógica da censura (ciclo de interdição) e exerce de maneira uniforme em todos os níveis (de alto a baixo).
                   A análise foucautiana procura focalizar a especificidade dos poderes que estão  intrinsecamente relacionados com a produção de saberes, dentre os quais está o saber sexual, procurando analisar como esses micro-poderes se relacionam com o poder do Estado. No Estado não está à origem ou foco absoluto de todo tipo de poder social, à medida que muitos micro-poderes se instituem fora do âmbito do Estado e de seus aparelhos. Não há nenhum lugar específico de poder na estrutura social, segundo Foucault o que há é um conjuntos de dispositivos ou mecanismos. O poder em si não é uma propriedade, nem objetivo ou coisa do tipo, mas é algo (como já se colocou) que se exerce, que funciona (exercício), possui uma característica relacional, ou seja, uma relação de força. Foucault critica a concepção de poder designada pelo modelo econômico, tendo-o como mercadoria, pois para o mesmo, o poder não constitui enquanto disputa, em que se ganha ou se perde, como também não é um fenômeno que trata especificamente da lei e repressão. Nessa perspectiva critica também as teorias do poder desenvolvidas pelos os filósofos do século XVIII, os quais:

definem o poder como direito originário que se cede, se aliena para construir a soberania e que tem como instrumento privilegiado o contrato; teorias que, em nome do sistema jurídico, criticarão o arbítrio real, os excessos, os abusos de poder. Portanto, exigência que o poder se exerça como direito, na forma da legalidade. Por outro lado, as teorias que, radicalizando a crítica ao abuso do poder, caracterizam o poder não somente por transgredir o direito, mas o próprio direito por ser um modo de legalizar o exercício da violência e o Estado o órgão cujo papel é realizar a repressão. Aí também é na ótica do direito que se elabora a teoria, na medida em que o poder é concebido como violência legalizada. (FOUCAULT, 1979, p. XV)


                  Na verdade o que Foucault quer mostrar é que as relações de poder não são necessariamente contratuais e exclusivamente repressivas, produz também efeitos de verdade e saber. Segundo ele para se analisar concretamente as relações de poder, não podemos nos ater ao modelo de poder soberano, pois, o poder não estudado nos termos primitivos da relação, mas da própria relação, investigação as relações de sujeição. Buscando perceber as relações de forças. Sendo assim, pensar o poder enquanto relações de forças. É, portanto, considerar o poder como composição contratual, para ele constituir um aspecto negativo. Uma vez que toda relação de poder (seja de cima para baixo ou contrariamente), nas sociedades ocidentais é posto de alguma forma como negativo devido a maneira da qual o trata, na maioria das vezes corresponde a forma jurídica, como domínio do direito, e contrariando essa concepção ele argumenta que o poder não está unicamente restrito ao campo do direito, mas em contrapartida na diversas esferas do meio social.                    Como sendo resultante de sua análise, a proposta foucautiana não é a formulação de uma nova concepção de poder, mas uma analítica do poder, e é com base na mesma que se permite esclarecer o poder ligado aos dispositivos, inclusive o da sexualidade, Vejamos o que diz Michel Foucault:


A idéia do que existe, em um determinado lugar, ou emanado de um determinado ponto, algo que é um poder, me parece baseada em uma análise enganosa e que, em todo caso, não dá conta de um número considerável de fenômenos. Na realidade o poder é um feixe de relações mais ou menos organizado, mais ou menos piramidializado, mais ou menos coordenado. Portanto, o problema não é de constituir uma teoria do poder que teria por função fazer o que um Boulainvilliers ou um Rousseau quiseram fazer. (FOUCAULT, 1979, p. 248)


                  A problemática não está na constituição de uma teoria do poder, como alguns filósofos propuseram (Rousseau, Boulainvilliers, Hobbes), mas é necessário que caracterize o poder como algo que surgiu em um lugar específico e um determinado momento. Dessa maneira deduz que o poder é algo aberto, que envolve relações coordenadas. Sendo assim, o que se pode fazer é uma analítica das relações de poder.

O BIOPODER E O PODER DISCIPLINAR


                  A análise do poder em Michel Foucault se encontra principalmente em seus livros História da Sexualidade I (Vontade de Saber/1976) e Vigiar e Punir (1987). Apresentando as formas do poder moderno, o biopoder enquanto tecnologia de regulamentação sobre a “população”. A modernidade inaugura uma concepção de poder, em que se tem uma ligação direta com o controle sobre a vida (perspectiva biológica) dos indivíduos, poder esse cuja legitimidade não está mais a concepção clássica, em que se acredita no exercício soberano do poder (absoluto), mas no controle ou regulamentação da vida e esse é o campo do biopoder. Considerando que “o homem moderno é um animal em cuja política sua vida, enquanto ser vivo, está em questão” (FOUCAULT, apud, DREYFUS & RABINOW, 1995, p. 148). O biopoder retrata o controle ou regulamentação da população. Foucault faz está análise por meio de uma abordagem social, histórica, filosófica e a genealógica do poder. Entender o que é genealogia para Foucault mostra-se fundamental para o desenvolvimento de qualquer pesquisa que utilize como práticas de relações de forças, na ordem dos poderes e saberes, presentes nas diferentes esferas das sociedades desenvolvida pelo filósofo, se insurge contra as teorias universalizantes que se apresentam como explicativas da totalidade dos fenômenos sociais por parte de tantas metanarrativas modernas. O que é genealogia? Qual o significado do método genealógico? De onde provem? Qual sua relação com poder? Quais diferenças este procedimento metodológico instaura? Ainda discorrendo sobre isto, Revel diz:

O enfoque genealógico não é, no entanto, um simples empirismo, “nem tampouco um positivismo, no sentido habitual do termo”. Trata-se, de fato, de ativar saberes locais, descontínuos, desqualificados, não legitimados, contra a instância teórica unitária que pretenderia depurá-los, hierarquizá-los, ordená-los em nome de um conhecimento verdadeiro [...]. As genealogias não são, portanto, retornos positivistas a uma forma de ciência mais atenta ou mais exata: as genealogias são mais exatamente anti-ciências. O método genealógico é, portanto, uma tentativa desassujeitar os saberes históricos, isto é, de torná-los capazes de oposição e de luta contra “a ordem do discurso”; isso significado que a genealogia não busca somente no passado de acontecimentos singulares, mas que ela se coloca hoje a questão da possibilidade dos acontecimentos”. (REVEL, 2005, p. 52 – 53) 
                   
                  Em defesa da sociedade Foucault constata que:


Aquém, portanto, do grande poder absoluto, dramático, sombrio que era o poder de soberania, e que consistia em poder de fazer morrer, eis que aparece agora, com essa tecnologia do biopoder, com essa tecnologia do poder sobre a “população” enquanto tal, sobre o homem enquanto ser vivo, um poder contínuo, científico, que é o de “fazer viver”. A soberania fazia morrer e deixava viver. E eis agora aparece um poder que eu chamaria de regulamentação e que consiste ao contrário, em fazer viver e deixar morrer. (FOUCAULT, 1999, p. 294)

                    
                 O poder agora intervém como o direito de fazer viver, na maneira de viver, ou seja, no como viver. Considerando que o biopoder estabelece o poder à medida que o aplica globalmente á população, a vida e aos vivos. Em vontade de saber (1979) faz referência ao biopoder no que se refere ao controle, disciplina e regulamentação da vida. Enfatiza que “seria necessário falar de ‘biopoder’ para designar aquilo que faz entrar a vida e seus mecanismos no domínio dos cálculos explícitos e faz do poder-saber um agente de transformação da vida humana [...]” (FOUCAULT, apud, DREYFUS & RABINOW, 1995, p. 148). Essa nova tecnologia do poder determina e normatiza o corpo, a partir do controle e da disciplina.
                  E por meio dos dispositivos da sexualidade e da loucura ele aponta para o poder disciplinar (que se aplica ao corpo, por intermédio de técnicas punitivas). O que seria outro pólo do biopoder. Além desse pólo há o que trata da espécie humana, enquanto objeto de atenção. “Esforços para compreender os processos de regeneração humana estavam fortemente ligados a objetivos diferentes, mas políticos. Esses controles reguladores dos processos vitais serão objetos do sexo volume da história da sexualidade”.(DREYFUS & RABINOW, 1995, p. 149). Vale lembrar que estes pólos estão justamente centrado no corpo, não no sentido de reprodução humana, mas como um objeto a ser manipulado. Uma nova ciência, ou melhor, uma tecnologia do corpo como objeto de poder constitui-se gradualmente em localizações periféricas e dispares. Além disso, Foucault une a caracterização do biopoder com o poder disciplinar, visando que os dois níveis não se exclui se entregam.

O poder disciplinar é com efeito um poder que, em vez de se apropria-se e de retirar, tem como função maior <<adestrar>>; ou sem duvida adestrar para retirar e se apropriar ainda mais e melhor. Ele não amarra as forças para reduzi-las; procurar ligá-las para multiplicá-las e utilizá-las num todo. Em vez de dobrar uniformemente e por massa tudo que lhe está submetido, separa, analisa, diferencia, leva seus processos de decomposição até as singularidades necessárias e suficientes. (FOUCAULT, 1987, p. 153)


                  O controle disciplinar visava uma “docilidade” dos corpos. E o biopoder (nova tecnologia do poder) se relaciona diretamente os processos que diz respeito à vida. Considerando isso Foucault ressalta: “esses dois conjuntos de mecanismos, um disciplinar, o outro regulamentador, não estão no mesmo nível. Isso lhes permite, precisamente, não se excluírem e poderem articular-se um com o outro. (FOUCAULT, 1999, p. 299) E um dos exemplos citados por Foucault que comprova essa integração dos dois mecanismos é a sexualidade, vejamos porque:


De um lado, a sexualidade, enquanto comportamento exatamente corporal depende de um controle disciplinar, individualizante, em forma de vigilância permanente (e os famosos controles, por exemplo, da masturbação que foram exercidos sobre as crianças desde o fim do século XVIII até o século XX, e isto no meio familiar, no meio escolar, etc., representam exatamente esse lado do controle disciplinar da sexualidade); e depois, por outro lado, a sexualidade se insere e adquire efeito, por seus procriadores, em processos biológicos amplos que concernem não mais ao corpo do indivíduo mas a esse elemento, a essa unidade múltipla constituída pela população. (FOUCAULT, 1999, p. 299)                      


                  Portanto, a sexualidade situa-se entre mecanismo disciplinares (corpo) e regulamentadores (população) esses seriam mais gerais. Por isso que as teorias médicas argumentam que quando se tem uma sexualidade desmedida (indisciplinada) e irregular produz efeitos duplos: sobre o corpo e sobre a população. Sobre o corpo (indisciplinado) “é imediatamente punido por todas as doenças individuais que o devasso sexual atrai sobre si.” (FOUCAULT, 1999, p. 301) Os efeitos sobre a população dá-se a medida que “supõe que aquele que foi devasso sexualmente tem uma hereditariedade, uma descendência que, ela também, vai ser perturbada, e isso durante gerações e gerações. (FOUCAULT, 1999, p. 301). Daí percebe-se como os saberes técnicos a exemplo da medicina vai se estabelecer no século XIX por influencias científicas no que se trata os processos biológicos e orgânicos.

CRÍTICA À HIPÓTESE REPRESSIVA


                  Na contemporaneidade é recorrente o discurso de uma possível repressão sexual, que se daria então por um conjunto de interdições e censuras, lançadas por práticas, idéias e instituições que estabelecem aquilo que seria “permitido” e “proibido”. “Segundo a hipótese repressiva, passamos, através da história européia, de um período de relativa abertura sobre nossos corpos e discursos para uma repressão e uma hipocrisia cada vez maiores.” (DREYFUS & RABINOW, 1995, p. 142) Nota-se que a hipótese repressiva apóia-se em uma conjuntura histórica para argumentar e mostrar as modificações que é constitui enquanto tal.
                  Recorrendo á análise histórica já feita anteriormente percebe-se que século XVII havia uma maior liberdade, pois os “gestos era diretos, discursos sem vergonha, transgressões visíveis, anatomias mostradas e facilmente misturadas, crianças astutas vagando sem incômodo nem escândalos entre risos dos adultos” (FOUCAULT, apud. DREYFUS & RABINOW, 1995, p. 142). Entretanto, no decorrer dos anos as coisas se modificam, e na chamada era vitoriana “o risco foi substituído pelas noites monótonas da burguesia vitoriosa” (FOUCAULT, apud. DREYFUS & RABINOW, 1995, p. 142). A sexualidade, ou o que dela restou, foi agora confinada ao lar, e até se restringiu a cama de dois pais. Uma regra de silencio foi imposta. Reinou a censura. O sexo transformou-se em desagradável e utilitário.” ((FOUCAULT, apud. DREYFUS & RABINOW, 1995, p. 142). Ou seja, o sexo se restringe a função reprodução, ou seja, para procriação. O prazer era negado, o sexo longe de ser uma necessidade biológica, consistia em meios apenas para reprodução.
                  Como já foi colocado há quem relacione a repressão sexual com o advento do capitalismo, em que todas as energias do indivíduo deveriam estar direcionada ao desenvolvimento econômico, ou seja, a produção “(trabalhem, não façam amor)” (FOUCAULT, 1979, p. 231). A realidade é que o exercício ou a concepção de sexualidade obedece, pois, a regras que são estabelecidas e controladas ou culturalmente. Uma vez que:

A hipótese repressiva está ancorada numa tradição que pensar o poder apenas como coação negatividade e coerção. Com uma recusa sistemática em aceitar a realidade, como um instrumento repressivo, como uma proclamação de verdade, as forças do poder previnem ou, pelo menos, distorcem a formação do saber. (DREYFUS & RABINOW, 1995, p. 143)
                   
                  Em contraposição a essa idéia de sexo reprimido, Michel Foucault apresenta uma crítica relevante, pois para o mesmo essa sociedade que é institucionalizada não visa proibir mais incentiva e realiza uma proliferação de discursos. É nesse contexto que “O discurso designa, em geral, para Foucault, um conjunto de enunciados que podem pertencer a campos diferentes, mas que obedecem, apesar de tudo, a regras de funcionamento comuns. Essas regras não são somente lingüísticas ou formais, mas reproduzem um certo número de cisões historicamente determinadas” (REVEL, 2005, p. 37). Sobre o sexo Foucault diz:


Segundo Foucault, contrariamente do que se pensa, isto é, que a repressão sexual se exerce pela censura, pela proibição e pelos interditos, na realidade essa “hipótese repressiva” (como chama Foucault) está enganada. Em nenhuma sociedade falou-se tanto, discutiu-se tanto, detalhou-se tanto, estudou-se tanto e regulamentou-se tanto o sexo como a nossa. O sexo, em nossa sociedade, sempre foi aquilo de que se deva falar, falar muito e falar tudo. Até o mutismo não é censura, mas uma certa estratégia de silencio para maior eficácia do discurso sobre o sexo. (CHAIÚ, 1984, p. 182)

                     
                  É interessante ressaltar que a própria Marilena Chauí em seu livro “Repressão Sexual (1984)”, expressa e considera que a sua analogia foucaultiana não que trata sobre a repressão sexual, ou seja, criticando-a, mas considera infinita a compreensão desse dispositivo (da sexualidade), e os discursos estratégicos que produzem e incitam, para a mesma em seu livro “ seria um caso exemplar de submissão a tais estratégias, visto que não só [fala-se] o tempo todo em sexualidade, mas ainda [foi dado] um lugar privilegiado na relação com o desejo.” (CHAUÍ, 1984, p. 182). E em contraposição, a proposta foucautiana é o abandono da perspectiva do desejo. Foucault desconstrói essa perspectiva repressiva do sexo e enfatiza que toda essa discursividade acerca da sexualidade humana não visa proibir ou reduzir a prática sexual, mas um controle que intensifica os discursos sobre prazeres e estimulação dos corpos. Sendo assim, a sociedade moderna e suas instituições não recusam o conhecimento acerca do sexo, mas instaura aparelhos discursivos com a finalidade de delimitar uma “verdade” sobre o sexo.
                  Em a “História da sexualidade I (vontade de saber) Foucault questiona o porquê da nossa sociedade “fustiga ruidosamente por sua hipocrisia, fala prolixamente de seu próprio silêncio, obstina-se em detalhar o que não se diz e promete-se liberar das leis que a fazem funcionar” (FOUCAULT, 1985, p. 14). E considerando, a “hipótese repressiva” Foucault coloca algumas questões que é importante serem ressaltada, entre as quais estão:

... a repressão do sexo seria, mesmo, uma evidencia histórica? A mecânica do poder e, em particular, a que é posta em jogo numa sociedade como a nossa, seria mesmo, essencialmente, de ordem repressiva? [...] o discurso critico que se dirige á repressão viria cruzar com um mecanismo de poder, que funcionara até então sem constentação, para barra-lhe a via, ou faria parte da mesma rede histórica daquilo denuncia (e sem duvida disfarça) chamado-o “repressão”? (FOUCAULT, 1985, p. 15)


                  A crítica que faz á hipótese repressiva é argumentada após evidenciar as constantes verbalização, produção e incitação que se realiza no que trata a sexualidade ou a idéia de sexo. E sendo assim, o discurso repressivo necessitaria ser questionado e colocado á prova fazendo referência ao mecanismo que o sustenta, pois o que se percebe é uma liberação por meio de discurso. Uma discursividade que nos leva a questionar, qual os seu real objetivo? Levantando suposições, será que visam o fim da repressão sexual? Ou se por interesses camuflados incita-se a produção fantasiosa de uma sexualidade reprimida? Considerando que:
A partir do século XVI, a “colocação do sexo em discurso”, em vez de sofrer um processo de restrição, foi, ao contrário, submetida a um mecanismo de crescente incitação; que as técnicas de poder exercidas sobre o sexo não obedeceram a um princípio de seleção rigorosa, mas, ao contrário, de disseminação e implantação das sexualidades polimorfas e que a vontade de saber não se detém diante se um tabu irrevogável. (FOUCAULT, 1985, p. 17)


                  É importante ressaltar que Foucault não nega terminantemente a repressão sexual, mas que a mesma não é um elemento fundamental que defina a história da sexualidade, pois sua colocação discursiva obedece a técnicas de poder. Vale considerar na perspectiva foucautiana a sexualidade aparece como uma forma de poder, tese que é demonstrada por uma análise histórica, a qual se processa pelo desenvolvimento de algumas linhas principais, entre as quais está à confissão, a proliferação dos discursos, assim como a criação do biopoder.
                  Foucault questiona com a nossa sociedade já há muito tempo afirma de maneira hipócrita a existência de uma repressão, se permanentemente fala de seu próprio silencio “obstina-se em detalhar o que não diz denuncia os poderes que exerce e promete liberar-se das leis que a fazem funcionar.” (FOUCAULT, 1985, p. 14). Isso é realmente paradoxal, sendo necessário questionar para que possamos perceber quais são as intenções e estratégias que sustentam os discursos tidos como verdadeiros. De acordo com a perspectiva foucautiana a história da sexualidade é marcada por uma tentativa de criar discursos que sejam aceitos como “verdade”. É nesse ponto que Michel Foucault diz:

É importante ressaltar que a verdade para Foucault não corresponde a descobertas (científicas), mas é legitimada por uma estrutura de poder, coexistindo uma relação direta entre poder e verdade. Na Microfísica do poder Foucault explicita: “por “verdade”, entender um conjunto de procedimentos regulados pela produção, a lei, a repartição, a circulação e o funcionamento dos enunciados. A “verdade” está circularmente ligada a sistemas de poder, que a produzem e apóiam, e a efeitos de poder que eu ela induz e que a reproduzem. “Regime” de verdade”. (FOUCAULT, 1979, p. 14)


                  Foucault realiza um “inventário histórico-crítico”, do que ele mesmo designa, “nossa experiência constituída”, ou seja, o infindável questionamento sobre o que nos tornamos historicamente, as “verdades” a que nos submetemos e que incorporamos, e que fizeram de nós aquilo que hoje somos. Nessa perspectiva, é claro, a verdade não deve ser tida como uma realidade descoberta, desvelada. Também o “sujeito” não é a realização de algo dado como a natureza, isto porque, segundo o filósofo, o sujeito é produzido socialmente. Na medida em que analisa o que se construiu, no ocidente, como a “verdade” acerca daquilo que nos tornamos, o pensador faz da crítica um repensar constante sobre as experiências sociais, culturais e históricas expressa na prática concreta das sociedades contemporâneas.
                  A “verdade” é centrada na forma do discurso científico e nas instituições que a produzem, ela está submetida a uma constante incitação econômica e política, ou seja, a “verdade” é o objeto, de inúmeras formas, de uma imensa difusão e de um imenso consumo. Em conseqüência disto, a “verdade” ainda é produzida e transmitida sob o controle, não exclusivo, mas dominante, de alguns grandes aparelhos políticos ou econômicos. Portanto, a “verdade” é o objeto de debate político e de confronto social.
                   Em conseqüência dessa proliferação de discursos verdadeiros na modernidade institui-se uma scientia sexuais que não tem a intenção de trata de uma descoberta, ou seja, do que diz respeito a aspectos biológicos ou da natureza humana, mas da sua fabricação. Sendo assim, não se trata de descobri uma verdade, mas de á criá-la, formando discursos que sejam proliferados como verdadeiros. Podemos concluir que Michel Foucault propôs abordagens inovadoras consideradas essenciais para se entender às instituições, os sistemas de pensamento e os discursos produzidos no meio social, político e econômico, e por isso seus conceitos tornaram-se fundamentais para os mais diversos campos do conhecimento. Poucos filósofos do cenário contemporâneo percorreram com tamanha competência e genialidade tantas áreas do saber como Michel Foucault.
                  É na história da Sexualidade I (Vontade de Saber), Foucault realiza seus estudos sobre o dispositivo da sexualidade, fazendo uma apresentação da composição histórica que o constitui enquanto tal. E para tanto remeter-se ao verdadeiro repressivo que segundo a perspectiva foucaultiana a composição de relações de poder produz campos de saber, e de modo recíproco, saberes geram relações de poder. Uma vez que a “curiosidade e vontade de tudo saber o sexo [é] para melhor controlá-lo”.(CHAUÍ, 1984, p. 16). Ou seja, a intenção dessa proliferação discursiva, visam o controle e domínio do âmbito sexual dos indivíduos. Desenvolve-se um incitamento disfarçado, o qual está atrelado a mecanismos de pode, que na tentativa de libertar o sexo de uma aparente repressão social, mostra-se visivelmente em que se está enredado a segmentos de poder e saber.
                  Foucault em a vontade saber apresenta uma investigação histórica, e defende uma a tese de que a sexualidade aparece com uma forma de poder. Portanto, para uma melhor compreensão da hipótese repressiva faz-se necessário recorrer à compreensão clássica do poder, assim com a perspectiva foucaultiana acerca do poder, a qual é designada como analítica do poder. É importante perceber ainda que na análise foucaultiana a sexualidade constitui-se enquanto dispositivo histórico, no qual se incita significativamente o discurso sobre o sexo, servindo-se de estratégias de poder e saber, sendo ele o objeto da verdade. De acordo com Foucault, essa tríplice aliança (poder/saber/verdade) compõe-se enquanto mecanismo de controle, nos quais funcionam as estratégias de dominação na sociedade ocidental. Isto significa dizer que no volume I da história da sexualidade, Foucault apresenta a problemática:

Da “vontade de saber”, agora assumindo a forma de poder confessional, que desde a pastoral cristã à psicanálise, longe de reduzir o sexo ao silêncio, encoraja ao homem a dizer, no sexo, a sua verdade. É nessa compulsão á forçar confissões, a dar sentido de produzir sujeitos e de produzir súditos. O homem é coagido pelo poder a constituir-se em sujeito, através do sexo. (ROUANET, 1987, p. 225)


                  É neste fragmento acima, que podemos perceber sobre o sexo, o qual se sustenta ao longo da história da humanidade (fazendo menção aos últimos três séculos), mas que por outro lado incita a uma explosão discursiva, que culminará na criação de uma ciência da sexualidade. E essa trajetória é amparada expressivamente pelos mecanismos de poder e saber, os quais visam à proliferação de discursos verdadeiros. Focault enquanto renomado pensador contemporâneo é também considerado um dos filósofos que contribui de maneira significativa para reflexão do homem como objeto do contexto em que vive, da sociedade e da história. Tornando-se assim detentor de uma potencialidade reveladora. Foucault propiciou-nos um legado inestimáveis e atemporais, que em muitos contribuíram para um melhor entendimento de autores consagrados no campo da historiografia atual, como Michel Foucault, Paul Veyne, Michel de Certeau e Hayden White e assim sucessivamente.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


  • CHAUÍ, Marilena. Repressão Sexual: Essa nossa (des) conhecida. 2ª ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1984.

  • DREYFUS, Hubert L; RABINOW, Paul. Michel Foucault, uma trajetória filosófica: (para além do estruturalismo e da hermenêutica). Tradução de Veras Porto Carreiro. – Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995.

  • FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: A vontade de saber. 11ª ed. Tradução de Maria Thereza da Costa Albuquerque e J. A. Guilhon Albuquerque. Rio de Janeiro: Graal, 1993.

  • FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Organização, Introdução e Revisão Técnica de Roberto Machado. - Rio de Janeiro. Edições Graal. 16ª ed., 1979.

  • FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Organização e tradução de Roberto Machado. – Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979.

  • FOUCAULT, Michel. Em Defesa da Sociedade: Curso no Collège de France (1975 – 1976). Tradução Maria Ermantina Galvão. – São Paulo: Martins Fontes, 1999.

  • FOUCAULT, Michel. Ética, Sexualidade, Política. Organização e seleção de textos Manoel Barros da Motta: tradução Elisa Monteiro, Inês Autran Dourado Barbosa. 2ª ed. – Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006.

  • MARTINS, Carlos J. O Legado de Foucault. In: A vida dos corpos e das populações como objeto de uma biopolítica na obra de Michel Foucault. Organizações: Lucila Scavone, Marcos César Alvarez, Richard Miskolci. – São Paulo: editora da UNESP, 2006.

  • REVEL, Judith. Michel Foucault: Conceitos Básicos; tradução Maria do Rosário Gregolin, Nilton Milanez, Carlos Piovani. São Carlos: Claraluz, 2005.

  • ROUANET, Sérgio Paulo. As razões do Iluminismo. São Paulo: Companhia das letras, 1987.




[1] Graduado em Licenciatura Plena em História pela Universidade Estadual da Paraíba – UEPB e Graduando em Licenciatura Plena em Filosofia pela Universidade Estadual da Paraíba – UEPB.